30.12.07

As plantas da minha avó

Minha avó partiu. Mesmo que sua partida parecesse inevitável por arrastados mais de vinte anos, eu não disse o quanto a amava e hoje durmo me perguntando se ela sabia disso. Para me confortar, os amigos dizem que sim. Mas não sei, ainda assim preferia ter dito. Queria ter ido vê-la mais vezes. Contar da minha vida, dos meus planos, das minhas coisas. Queria ter sido mais neto e deixar que ela fosse mais minha avó. Esquecer um pouco essa coisa de mundo e me dedicar ao amor que tínhamos um pelo outro.Por outro lado tenho as melhores histórias para contar sobre ela. Orgulhosamente mais do que qualquer outro neto. É certo que sempre me senti como o filho caçula dos meus avós, o que fez que por um tempo eu visse minha mãe como uma irmã mais velha. O que tenho hoje são as lembranças dos dias ensolarados da minha infância com minha avó me levando para cima e para baixo. Aquela mulher de unhas grandes, rosas, personalidade forte, engraçada sem querer ser. Essa era minha avó.Durante muito tempo achei que as pessoas a temiam. Hoje percebo, talvez por que minha mãe tenha herdado o mesmo gênio, que ambas são admiradas e muitas vezes a admiração e o respeito se confundem com temor. A verdade é que minha avó, ainda que analfabeta, ainda que errando em palavras simples como vassoura ou maçã, era uma mulher à frente do seu tempo e por isso tenho orgulho de dizer que era incompreendida por ela mesma na grandiosidade que nem ela sabia existir dentro dela.Vou fazer questão de a cada novo amigo, cada bisneto, cada pessoa que cruzar o meu caminho a partir de agora, vai saber da Dona Nega e suas histórias. Das colchas de retalhos, os tricôs, as almofadas, o pé balançando onde ela me colocava de cavalinho, a adoração por plantas, o cural de milho, arroz doce, feijão com barra de chocolate! Não se pode esquecer coisas tão simples e tão amáveis. Não dá para esquecer a imagem dela andando pela cidade com minha foto estampada na camiseta.Minha avó partiu e com ela uma parte grande de mim. Num mundo tão duro e desconfiado, onde tudo é descartável, até mesmo os sentimentos, perder uma pessoa que nos amava com todo o amor sincero, é mais que motivo para luto. É uma perda que nem o tempo ou que novos amores poderão reparar. O amor da minha avó por mim era único e eu lamento nunca mais provar que fosse um tiquinho dele.O que me deixa feliz realmente é que ela foi esperta como eu imaginava e deu um jeito de ficar por aqui. Seja nas fotos, nas suas tranqueiras, nas suas plantas, nos filhos e nos netos. Minha avó era uma jardineira que plantou não apenas as arvores e as flores que estão vivas e crescendo por ai, ela plantou pessoas que certamente serão gratas a ela sempre por esse gesto tão puro de Dona Nega.