24.2.07

Dream come true

Tive sonhos em dias passados. Um batuque primitivo. Um carro moderno, uma noite quente e estrelada. Uma avenida a beira mar. A onda batendo vendo o mundo passar. Aquele querer misterioso. A dúvida familiar. O vazio crescente. A tristeza ali do lado sorrindo ingênua sem saber o seu papel naquela cena. Do outro lado a imensidão sem fim de possibilidades intermináveis. Repleta de doces surpresas. De castelos construídos com carinho. Camas com lençóis limpos. Sol e barulho de vento em copa de árvore. E nada, nem o querer pulsante e vivo me tirava daquela estrada de sonhos impossíveis. Quis muito sem saber o que queria. Sem saber se teria, sem saber se o terei. Sonhos e sonhos e abafadas noites no lado proibido de tudo. Naquele canto que poucos ousam caminhar. Naquelas areias sensíveis, que choram quando se pisa, de grãos delicados e brilhantes. Não se pode sair dali sem tais sonhos, sem que se queira sair. Esperei que fosse pra mim. Entoado ao som de instrumento familiar. Comigo você não pinta e não borda. Não faz declaração no meio da rua. Será que não permito tal deslize? Será que faço errado em mergulhar no mar? Viveu lá as várias possibilidades do amor, de forma doentia, sem saber se amava, sem que lhe dessem a esperança. E talvez estejam todos cansados demais para atravessar de lá pra cá. Não há mais “kamikazes”. Há palavras velhas escritas e imortalizadas em peitos fechados que recorrem a velhos amores para não ter que fazer a viagem até aquele lado, onde a noite é abafada, onde a areia choraminga e onde os sonhos te levam ao fim.

23.2.07

Pequena mordida das esperas da vida

Sinto uma perturbação e não dou muita atenção. Quando me perturba demais eu vou ver é uma formiga me picando. Será que ando doce? O cucurucu tá nos 50°, calor infernal, não pertence a esse pedaço de terra alta da serra. Os dias tornaram-se exercício de imensa paciência. Espera daqui, espera dali, espera de todos os lados e as únicas que parecem se importar são essas minúsculas formigas que me picam pra dizer que ainda estou vivo. Será que é isso o que elas querem dizer? Ou será que querem, de pequena dolorida e de pequena mordida, levar a esperança pra longe de mim? Tenho que descobrir onde fica esse formigueiro. Preciso de esperança e mais do que isso, preciso de respostas, preciso de ações, preciso parar de ter que multiplicar paciência. Isso e o calor vai causar um imenso curto circuito! Tenho que parar com esse vicio de querer chegar em casa e escancarar a janela pra deixar a brisa, suave brisa, me lembrar no silêncio da noite quente, que ainda há chance e que tudo vai dar certo. Mas é um vicio, e como todo vicio, vai me levar de certo a uma rua escura com fundo infinito. Preciso saber o que há depois daquele ponto. Preciso decifrar melhor tuas palavras. Preciso escrever cartas e mais cartas. Preciso ir fundo no fundo profundo do formigueiro. Preciso de paz. Sorrir em paz e alivio. Enquanto isso, por favor, um pouquinho mais de virgindade!

20.2.07

Do lado de fora

Ninguém entende quando conto essa historinha. É terrível perceber que não sou o que os outros me convenceram que eu era. O mais terrível que me convenceram com a minha ajuda, com a minha patética contribuição apoiada por medos que explico com a historinha. Era Natal. Acho que 1986, lembro que meu irmão era ainda um embrulho chorão e com cara de joelho, então só pode ser em 1986. Passávamos o Natal na casa da tia “rica”, que tinha a maior casa, o maior quintal para que eu e meus trezentos primos pudéssemos brincar. Aquela grande casa tinha quintal na frente, quintal nos fundos, quintal embaixo. Tinha até uma casa na parte de trás. Um quarto e cozinha bem parecido com o que morava na época com os meus pais. Os filhos dessa minha tia tinham os brinquedos que sonhava ter, então ir na casa dela, seja no Natal seja em qualquer dia do ano, era como ir na Terra do Nunca. Espaço pra correr, brinquedos pra brincar, outras crianças dividindo a infância comigo. Essa historinha não é uma lamentação sobre o que eu não podia ter na época. Não é uma daquelas histórias que a gente guarda pra mais tarde jogar na cara de um filho mimado mostrando pra ele o quanto poderia ser difícil a vida dele. Minha vida não foi difícil. Não ter o gato guerreiro do He-Man ou o Pogoboll não era nenhuma dificuldade pra mim, não serei hipócrita. Estávamos brincando no imenso quintal que ficava entre os fundos da casa da frente e a frente da casa dos fundos quando os adultos chegaram. Chegaram correndo e entraram no pequeno quarto e cozinha. Eu nem teria percebido se eles não tivessem deixado entrar com eles todos os meus primos pequenos como eu. Aquele quintal nunca foi tão grande. Só havia eu ali, sem saber se era do lado de dentro ou do lado de fora. Bati que queria entrar e eles riam. Na porta da cozinha da casa grande as mulheres riam limpando as mãos nos aventais. Lá dentro, risadas de crianças misturadas e risadas de homens misturadas com barulhos de ferramentas. Eu tinha cinco anos e queria entrar. Eu não tinha idade pra entender daquelas risadas, o por que de me deixarem do lado de fora, mas entendia perfeitamente que haviam deixado entrar todas as crianças. Comecei a chorar e então eles riam mais ainda. Não estava curioso, não estava irritado com os risos, estava apenas me sentindo excluído, me sentindo pela primeira vez diferente dos outros. Mas antes que o meu choro pudesse se transformar num desespero total a porta se abriu, as crianças saíram correndo, meus tios e primos mais velhos também, até que sai meu pai com uma pequena bicicletinha. Não tenho como dizer como ela era, talvez azul e branca com rodinhas, realmente não lembro. Em fim, o primo que não tinha bicicleta agora tinha a sua. Logo eu estava cruzando todos os quintais com minha bicicleta e esqueci o que tinha acontecido. Achei que havia. Não sei como era a bicicletinha mas sempre me lembro, as pessoas sempre me fazem lembrar daquele dia. Quando contei para um amigo, a quem confiava muito, sobre essa história, ele simplesmente disse que a gente lembra daquilo que queremos lembrar. Mais ou menos como se lembrar apenas das vezes em que apanhamos, que sofremos, que doeu, que foram injustos com a gente. Quis dizer que nos lembramos disso porque nos favorece e que ao lembrar dessa história eu estava ferindo a boa intenção dos meus pais naquele dia. Traduzindo: ele me chamou de filho ingrato. Entendo perfeitamente a necessidade dos meus pais em me fazerem surpresa naquele dia. Até entendo que deixaram as outras crianças entrarem, de fato não teria chamado a minha atenção se só os adultos tivessem entrado com uma caixa do tamanho da bicicleta que eu ainda não tinha. Foi a forma que eles encontraram, ou melhor, que eles escolheram de presentear naquele Natal. E como entendo, sempre esperei que entendessem também o que tal episodio causou. Gostaria muito que entendessem que não consegui esquecer e não foi pra jogar na cara ou arrancar alguma piedade de alguém. Na verdade eu não sabia porque me lembrava dessa história todos esses anos, e hoje acho que aprendi, ou entendi muitas das coisas que aconteceram entres esses 21 anos. A dor da exclusão, talvez germinada numa coisa tola de surpresa de Natal, ficou latente e se tornou o grande Bicho Papão. Não se diz o que uma pessoa sente, não se diz o que uma pessoa deve fazer com suas histórias. As vezes elas se repetem com novos personagens, com as mesmas “boas intenções”, com um pouco de falta de consideração ou de atenção. As vezes se exclui sem saber que está excluindo, sem saber a dor que isso causa no outro. Pessoas amigas, pessoas queridas, pessoas que amamos e nos amam, percebem onde dói a dor no outro e a evita. É por isso que elas se amam, entre as coisas boas todas, está a de amenizar as ruins. Levei muito tempo acreditando que eu estava errado. Passei muito tempo ajudando os outros a me convencerem que minha forma de me doar, que o meu jeito de amar estava errado. E hoje, exatamente hoje, uma única pessoa, que está a quilômetros de distância de mim, consegue entender se não o por que dói, compreende pelo menos que dói, e isso basta pra me poupar e me proteger como fazem as pessoas que nos amam. Não vou declaram guerra dessa vez. Meu país declarou paz e vai continuar assim. Pedi muitas desculpas por coisas que não fiz só porque me convenciam que tinha feito. Não vou mais entrar na onda do descontrolado que perde a razão porque demonstra o que sente. Aprendi uma lição nesse carnaval. O mundo é muito grande. Hoje não preciso mais chorar na porta, do lado de fora. Existem inúmeras portas, se não me abre essa, pouco importa se o que você tem ai dentro é uma bicicleta, eu vou procurar outra. Não se deixa um amado do lado de fora, nunca. E sem piedade, e sem revolta, e com certa magoa, e agora com certa esperança. Mais do que nunca contando dias. E antes que me ligue (se ligar) eu sei do fundo do meu coração que não foi de propósito, mas dói mesmo assim.

16.2.07

Casamento

Me peça em casamento e sejamos felizes. É! Simples assim! Você chega com um anel grande, daqueles de joalheria chique que nem a do shopping, sabe? E não importa se for à prazo, quem pode me dizer que esses ricos por ai não compram esses carrões à prazo? Eu sei que você não é rico, pouco importa. Quero casar com você mesmo assim. Coisa na igreja, de padre, madrinha, Ave Maria, arroz e briga na festa. Arranja um carro bacana com um daqueles seus chefes bacanas. Mas tem que ser coisa bacana, se não fica feio na foto. E por falar em foto, agora tem uma tal de fotojornalismo, coisa fina. A sobrinha da patroa da Veruska que fez. Vou parecer uma princesa! Passo do dia no salão do Cleyton, faço unha com a Menininha, maquiagem com a Jéssica e cabelo com o Tonton e pronto! O vestido? Vou com Dona Zéfina lá naquela rua das Noivas. Ela olha e guarda assim na cabeça. Ai chega e faz igualzinho naquela maquininha dela. Aquela que você reclama do tec tec tec tec na madrugada! Também, pra dar de comer pro bando que ela colocou no mundo, tem que costurar dobrado. Bolo com recheio de pêssego. Não quero nem saber! A Juju é alérgica a pêssego, mas eu amo. Quero muito pêssego, muito, com calda escorrendo. Cobertura de glacê, com cereja, aquelas bolinhas prateadas, e quatro andar, que nem o barraco da Valdirene. Um espetáculo! Bolo de casamento é assim, quanto mais alto mais chique. Falta as duas taças que eu mesma vou comprar nas Americanas. Você compra champanha da boa, não vai comprar sidra que eu peço a separação ali mesmo. Apesar que separar assim depressa é tão chique. E a gente nem precisa dividir os presentes. Então me pede em casamento. Com um anel bem lindo. Ajoelha assim na minha frente, diz coisas bonitas, coisas bonitas só pra mim. Vamô realizar nosso sonho, nossa casinha, o casal de filhos, os fins de semana na praia, os churrasco, a faculdade das crianças. Seria muito mais fácil, tudo mais fácil, se você não fosse apenas um retrato.

13.2.07

O regime semi-aberto de Pano de Chão

Quando apareceu na rua, o país ainda acordava sem saber quem era o pequeno João Hélio. Os dias pareciam estranhamente calmos, a brutalidade está sempre lá, no outro. O desespero, a dor, a perda nos comove e só. Mas quando Pano de Chão decidiu que a rua Alemanha seria o seu próximo lar, talvez intuísse que poderia encontrar ali um canto para repousar seu sofrimento. O vi apanhando de um vizinho, desconhecido pra mim como a maioria, ao dormir encolhido na frente de seu portão. Não reagi. Não enfrentei e confesso o quanto sou covarde de peitar essas pessoas. Então escrevi aquele texto de dias atrás. E quando escrevi eu não imaginava os rumos da minha história com Pano de Chão. Prefiro escrever isso agora do que esperar para descrever, a quem sabe daqui quarenta anos, como lembranças da juventude em Diadema. Como recordações dos meus queridos pais, como os que nomeiam ruas ou inauguram bustos em praças. Se Pano de Chão escolheu nossa rua entre tantas outras é porque certamente algo ele queria e algo ele podia nos dar em troca por isso. A vida passa com poucos brilhos. As pessoas vão se tornando repetições de mesmices, não se pode esperar mais de ninguém, muito menos de si mesmo, vide a minha atitude ou melhor, não-atitude, com o vizinho infeliz. Meus pais sempre me surpreendem com uma carta mágica na manga. Generoso, meu pai, colocou um punhado de ração do Paco e da Lara, na calçada. No dia seguinte um pouco de água num pote de margarina, e no outro dia, para desespero do casal de salsichas, Pano de Cão dormia na garagem. É o limite, mas é o melhor do que qualquer outra pessoa da rua que ou distribui pancada para o cachorro ou simplesmente ignora a sua presença. Brincamos que ele está em regime semi-aberto, dorme durante a noite na garagem e passa o dia na rua com suas estripulias caninas. E desde aquele momento, chorando ao se proteger do temporal que caía, quando meu pai entendeu o seu pedido, não deixe me molhar aqui, sabíamos que algo mudaria. Pode não ser ideal, mas basta para aliviar o peso do bonzinho Pano de Chão e por ter feito com que eu não esquecesse quem são os meus pais.

11.2.07

Rotina ou Apelo

Não é muito cedo quando acordo. Pelo menos já é tarde para muitas pessoas. Não é tão quente o leite que tomo. Ainda tomo com Nescau quando criança. Geralmente dou um “tô indo” ou um simples “tchau” de longe mesmo. E nem é pela correria. Penso nele no caminho e penso que vai ser mais um dia. Abro as persianas, as janelas, ligo o computador se a secretaria já não o ligou. Sintonizo o rádio na Eldorado. Abro e-mail pra ver se me escreveu. Abro orkut esperando um recado. Leio as noticias. Tristes noticias de crianças sendo vitimas. Blogs políticos. Blogs de amigos. Perde a graça. Me canso. Leio jornal, quando há jornal. Vejo a rua, as pessoas que passam pela rua, quase sempre as mesmas nos mesmos horários. Tento ler um livro pra pensar menos nele. Tento pensar num roteiro e mandar pra ele. Almoço mais do que posso suportar. Assisto desenho e volto pra janela. Passo tardes pensando em nada e pensar em nada hoje em dia dá tanto trabalho. E quando me dou conta é noite e estou deitado com a janela aberta pro calor sair. Pensando nele, pela centésima vez no dia. E antes que o dia termine, penso que posso mesmo chegar a Plutão. Quando ele souber o que escrever na legenda da nossa foto, talvez a gente embarque definitivamente para nosso planetinha.

10.2.07

Mictorium

Dois anos atrás percebi que havia ficado invisível. Já havia tido provas da minha insignificância em outros momentos, mas só me dei conta quando aquele mendigo sujo, tão mais invisível à maioria de nós, esmolou os dois que estavam à minha esquerda e àquela bonita jovem à minha direita no ponto de ônibus. Nenhum gesto, palavra ou olhar pedante ou humilhado para mim. Portou-se como se ali eu não estivesse. E naquela tarde senti a dor da indiferença. Minha mãe tinha obsessão por desgraça. Intuía, ainda moça, que sua vida seria sucessivas desventuras trágicas. E antes de morrer num incêndio na fábrica de calçados onde trabalhava, perdeu os pais num acidente de trem, o marido, meu pai, vitima de assalto, meu irmão mais velho, atingido por bala perdida e minha irmã mais nova afogada na enchente de verão. Morreu num incêndio e restou eu. Morreu acreditando ter levado consigo a desgraceira toda. A maldição que arrastara consigo todos aqueles anos, vitimando os que viviam a sua volta, até por fim a si mesma. Pensei, ileso à toda a sina familiar, que fosse um destes adotados. Mas bastou o mendigo ignorar os meus trinta centavos e me fazer lembrar, até então esquecidas, situações em que não poderia nem ter existido e elas teriam se passado exatamente como recordava. Os dias seguintes foram de intensos testes. O traste maltrapilho poderia simplesmente não ter ido com a minha fuça. Pode ter me achado tão ou mais esfarrapado que ele. Na dúvida me pus a testar minha existência. Ônibus sem passar na catraca, cinema sem pagar. Eu não era impedido, não era notado. Não era paquerado ou desrespeitado. Não era nada. Deduzi, por fim, que somos o que somos para os outros. A medida que perdi minha família e que não tive capacidade de criar novos laços, deixei de existir. O odiado existe enquanto existir ódio no outro. O enamorado vai existir enquanto houver amor por ele em sua amada. O pacto cruel da existência. Viver nada mais é que pactuar todo o tempo com o máximo de pessoas que couber numa agenda telefônica. Estabelecer vínculos de sentimentos, de necessidade, de desejos. Foi assim que fiquei invisível. Assim mamãe deixara a minha cota de desgraça e um pouco também de suas manias obsessivas. Mas nunca compartilhei por seu gosto pelas histórias de finais nada felizes. Confesso que meu vicio é bem mais complicado de se compreender. Tenho tara incansável por homem mijando. Coisa de moleque, de espreitar o irmão, os garotos no colégio, qualquer bêbado de rua e seu glorioso jato amarelo. Quantas vezes, nas viagens nos coletivos, não virei a cabeça pra ver, ainda que de relance, o belo de um mijão. Mas, até a desgraça da invisibilidade, nunca pude chegar perto tão quanto gostaria. Me aventurei em imundos sanitários públicos, mas o medo me impedia e tornava o desejo ainda mais desejoso. E não havia pretensões maiores a não ser contemplar aquela mijada, ouvir aquele barulho de mijo correndo na água, quando vaso sanitário ou o ruído de água batendo e espirrando no metal naqueles grandes mictorios, meu prateado paraíso. A invisibilidade, a indiferença deles todos me deu esse prazer de assistir de perto, de muito perto ao ponto de sentir ácidos odores. Uns amarelos, outros alaranjados, alguns bem limpinhos como de bebês e ainda os com sangue, denunciando alguns excessos. Contemplei abraçado por trás, fungando em pescoços que se quer imaginam que outro homem os roçou. Muitas vezes agachado, encostando a cabeça na cintura, abraçando grossas coxas, ouvindo pequenos gemidos. Sim, existem alguns que gemem como se estivessem mergulhados no êxtase do gozo dentro de suas comportadas esposas. A maldição de mamãe então não era tão ruim assim. Ser ignorado era um prazer que me proporcionava compartilhar das melhores e variadas mijadas. Mas foi quando aquele homem forte, com mamilos endurecidos e pele morena e brilhante de suor, entrou no banheiro que senti que ali escondia o maior de todos os prêmios. Se colocou na frente do mictorio com seu enorme membro pra fora. Só, os dois naquele sanitário que cheirava a merda curtida e papel higiênico molhado. Fiquei ao seu lado e o belo homem forte, dono de um membro repleto de saltadas veias parecia esperar por algo para despejar seu dourado líquido. Foi quando deu-me uma olhadela com canto de olho e sorriu. Com a mão desocupada, procurou pela minha e a colocou segurando aquele amolecido e escuro músculo. E então pude sentir em fim o líquido passando pelo estreito canal, vibrando a quente pele. Quando terminou, deixando cair a última gota, eu segurava algo duro, rijo, que já não necessitava do apoio de minha mão para manter-se firme. Com um só empurrão me jogou para dentro da fedorenta cabine sussurrando que havia guardado o bastante para me inundar. Segurou-me forte, com estocadas precisas, me banhando com todos os seus líquidos. Disse um inusitado “amo você”, e largou meu cansado corpo ali. Cansado e satisfeito para espanto e indignação de todos. “Sua bicha imunda!”, alguém gritou. Eles me viam. Estavam horrorizados comigo. Eu gargalhava. Eu apenas gargalhava.

1.2.07

Barra de download

Tenho pensando nas coisas, nas pessoas, nas relações entre as pessoas, nas minhas coisas, minhas próprias relações e no mundo como barras de download. Onde eu vejo uma pessoa não vejo mais uma pessoa. Vejo ali uma barra de download. Quando penso na relação que tenho com um bom amigo, com o atual trabalho, no meu amor, vejo barras de download. E quando me pego sozinho, completamente só, quando os pensamentos estão bem distantes, bem diluídos num vazio enorme e limpo, penso no meu tempo como barra de download. A barrinha azul vai crescendo, tantos porcentos baixados, como passos dados, abraços apertados, histórias em porta retratos. Uma contagem regressiva, algumas barras crescem mais lentas outras se aceleram mais aspirando mudanças. O fato é que tudo começa pra acabar. Tudo acaba pra mudar. As vezes muda é pra não acabar. A Irlanda tá levando dois retalhos enormes de mim, o Rio guarda minha metade e São Paulo esconde todos os pedacinhos que se espalham bem aqui do meu lado. E o tempo vai passando, coisas mudando, outras acabando e a barra crescendo. Amanhã tem médico, então vou fazer como manda a cartilha pois seja lá quando, o arquivo deve ser concluído com sucesso.