19.3.07

Quando se caminha sem brilho

Já posso sentir o frio no vento da manhã. Caminhar na rua com a lembrança recente de geladas palavras que não voltam mais ao que eram. Pensamentos abstratos, diluídos na mente e que ao virar esse símbolo de algo que incomoda ou que martela ou que acomoda a aflição, já não volta a ser apenas o silêncio de momentos atrás. “Guarde para mais tarde”, é assim que ouvi. Não posso deixar que minhas palavras virem celas de uma prisão então tenho que evitar teimar pelo caminho de brilhantes. Perde um pouco da mágica, pois nunca desisti por achar que trariam o sapato em tamanho acertado para essa caminhada. E que não faltaria cumplicidade. Talvez tenha sido construído um mundo que não existe, e devo romper com esse jeito maldito de pensar. Vou perder os brilhos nos ventos frios das ruas. Vou perder trechos de belos sonetos nas manhãs comuns. Dias como qualquer outro, perder cena a cena os belos planos jamais feitos. Conviver com o cinza que me embalou e esquecer, como se meus olhos jamais tivessem visto, o colorido que surgiu quando já estava quase cego. A força me empurrou pra margem, e se falo outra língua que não separou palavras pra descrever o apelo, devo me agarrar num galho de espinhos que me arranham e que me farão aprender na dor e nas coisas comuns. Pode ser que eu seja salvo ou pode ser que acabe como sempre acabou. No fim das belas palavras, que secam, que somem até nada a ser. Até ser silêncio e vazio num coração.

15.3.07

Brega

Não posso mais fingir, esconder no olhar. Não tenho mais a força de inventar sorrisos e momentos que já não existem. O coração sabe o que preciso e já não me satisfaço em imaginar lá onde tudo era tão pequeno e tranqüilo. Debaixo de goiabeira de goiabas bichadas, o avião levando o “Brinquedo” que fazia todos chorarem e seus lenços brancos. A moça engraçada de cabelo rosa gritando no rádio, o monstro famoso dançando no cemitério me dava arrepios e mesmo assim tudo era tranqüilo. Eu queria mesmo voltar lá, nas luzes grandes amarelas. Me lembro delas e de todos aqueles insetos em volta. Queria poder dormir no banco de trás e não prestar atenção em briga alguma de adulto. Ficar vendo o céu de estrelas e de postes iluminados. Ver passar como em fundo de desenho, repetindo imagens e nunca me cansar de assistir. Ser pego no colo sem que precisasse deixar de sonhar, sem ter que acordar pra ver o mundo mudar, sem ter que partir, sem nunca ter que partir. Queria voltar e ter mais do que sangue proibido pra oferecer. Te levar comigo e dividir contigo os meus brinquedos. Dois pequenos dividindo a mesma dor que talvez ainda não doía. Eu te mostraria que há um mundo debaixo da mesa da cozinha, rindo de dedões e comendo suspiro. Inocência cúmplice e solidão nunca mais. Queria muito poder voltar e te levar comigo. Que fosse meu vizinho, que emprestasse seus cadernos, que excluísse todos os outros por mim. Eu faria o mesmo. Eu te defenderia, apanharia por você. Cada toque seria um toque puro de reconhecimento, um se encontrando no outro, daquelas desgraças que eles nunca entendem. Eu preciso voltar lá com você. Não é justo não nos deixarem fazer isso. Tudo agora seria diferente. Não existiriam tantos medos, todos esses becos, essa distância, esse mundo que ignora o que estamos sentindo. Faltou você naqueles singelos dias. Nas tardes cheirosas de produto de limpeza onde você era apenas um amiguinho imaginário que um dia deixei de crer. Deixei de acreditar e as luzes amarelas se apagaram. E antes que eu pudesse lamentar mais do que faço hoje você chegou. Tarde pra me ver sem a armadura, mas cedo pra ouvir o quanto me faltou e o quanto ainda quero estar ao seu lado.