15.5.12

Pelo inverso


...e eu fico com essa tentação doida de querer fazer coisa nova com coisa velha. Me embriagando com ideias e mais ideias, sem querer na lucidez perceber que mais delicioso é concretizar algo real, ainda que sem todos os brilhos próprios das idealizações.


Assim foi o momento épico que mudou de um jeito todo drástico sua relação com o mundo e com as pessoas. Tratava-se, de após exílio prematuro, de uma volta tímida e esperta ao lugar seu.



Todo aquele tempo e todas aquelas paredes brancas serviram se não como prisão corretiva por algo que não havia cometido. Sem magoas.

12.3.12

Planando em sonhos

A cidade já estava longe quando ele percebeu que não sabia das razões daquela fuga. A certeza que tinha era que precisava se afastar, correr, fugir de feras ainda que imagináveis e incompreensíveis. E já cansado de lutar e de procurar por respostas fez como os pássaros que dormem planando nas correntes de ar: se deixou levar rumo ao desconhecido e esperar que suas respostas, tão aflitivas, se tornassem algo vivo, pulsante, onde ele pudesse se agarrar e despejar todos os seus sonhos e sua esperança.

Mudaram as paisagens, as dores não. Inventou de brincar com palavras, com a quilometragem, de cidade em cidade, foi criando e dando forma à essa necessidade desconhecida e tão intima. Brincou que vivia em filmes de terror, que corria de zumbis, que se protegia de algo realmente assustador e que o colocava em perigo. Fantasiou ser príncipe torto de pequenos reinados, que era justo e honesto e ainda assim não era feliz. Ele não queria coroas, sobrevidas, guarda-chuvas ou relíquias. Não queria tarde no shopping, fotos de viagens pra mostrar para os amigos no almoço de domingo. Não queria mais camisas, o contrário. Como já não pensava em salário queria ser um descamisado de peito aberto, de alma vibrante, disposto a amar e retribuir esse ato tão reprimido.

Medo? Mede de quê? Eis que as perguntas lhe martelavam nas paredes úmidas daquela casa velha que ele abandonou pra viver na casa dos outros, pra compartilhar a vida do outro. Não havia zumbis, nem monstros, nem dragões, casamentos mal arranjados ou obrigações que pudessem justificar aquele sentimento.

Então lembrou do pássaro planando, do céu, da liberdade e se permitiu brincar e fantasiar e correr e ser criança e o medo passou. E quando olhou para trás os prédios já estavam longe, era só o azul sem nuvens. Entrou numa corrente e voou para o seu destino sem questionar, sem deixar que o raciocínio pudesse interromper o caminho traçado em linhas invisíveis de vento.

E quando se deu conta, homem de medos, ainda que convivesse com eles, estava compartilhando seu destino. O olhar familiar lhe abrigou, lhe fez lembrar de músicas antigas e querer que aquele colchão no chão estivesse sempre ali pra ele. Aquele momento fazia sentido. O ato irracional dava razão para a estrada, para as idas e vindas, os términos, as lágrimas, as dores, as fantasias, a solidão. E então não se sentiu só. Só queria aproveitar aquelas preciosidades, dessas magias que fingiu não conhecer pra não sofrer.

Ele não sofre mais. Vai voltar pra estrada. Homem diferente, vai fazer o caminho de volta. E quando ver o primeiro topo do primeiro prédio vai sorrir e talvez no letreiro da congestionada via esteja escrito: “você precisa ter alguém pra cuidar”.

- Eu sei. Eu já sei.

8.4.08

Fazer como fazem as senhorinhas

Quando eu era um garoto ouvia Legião até sem querer ouvir. Lembro que me assustava quando ouvia “...ela se jogou da janela do quinta do andar...”, era incompreensível para mim, ainda criança, que alguém pudesse se jogar de tal altura. Anos mais tarde um colega de colégio seguiu os mesmos passos criados por Renato Russo em sua letra. Aquilo tudo soava absurdo demais pra mim. É claro que eu imaginava a vida de todos como a que eu tinha, e minha era muito boa graças ao esforço dos meus pais. E mesmo anos mais tarde, compreendendo a diferença de realidades, o vácuo ou o abismo que existem entre as pessoas, não consegui encontrar justificativas convincentes para esses episódios voluntários.
Não me dei conta, mas a violência, não sei se por ser mais noticiada, invadiu minha vida ao ponto de me fazer pensar 3 vezes antes de sair de casa. Agora foi do sexto andar, e alguém a jogou. Apenas uma garotinha prestes a completar seis anos. Dizem que foi o pai com ajuda da madrasta, outros dizem que foi um “ladrão” que nada levou a não ser a vida da pequena Isabella. É quando acho que não ouvirei nada mais absurdo, como assaltantes que arrastam crianças por quilômetros nas esquinas do Rio, ou filhos que são abandonadas na beira de estradas, pra não dizer dentro de sacos plásticos em lagos como o caso da Pampulha, e me dou conta de como o mundo se estragou, de como os vilões estão próximos e que as vitimas, vulneráveis, são nossas sementes, o futuro.
Tudo isso provoca em mim um sentimento de recolhimento. Sim, se eu tivesse uma carapaça, uma concha, eu viveria trancado dentro dela, levando para dentro o necessário básico para sobreviver. O desejo muitas vezes é de descomplicar a vida. Trocar as saídas de fim de semana, divertidas, mas muitas vezes arriscadas demais. Nunca se sabe como será o voltar. A vontade é me entregar à entrega dos meus pais, que anseiam em largar tudo para aproveitar dias tranqüilos numa chácara, plantando folhosas, cuidando de galinhas e se divertindo com o Paco e a Lara.
Esse desejo me toma sobretudo agora que tenho um amor. Posso entender um pouco mais os meus pais (entendam pais como os pais de antigamente, que se sacrificavam pelos filhos e que não os sacrificavam em troca do nada). Hoje, amando, temo pelo meu amor. Descubro dia-a-dia que amar é se preocupar, zelar, é ter a dor de outra pessoa como a sua. E diante da impotência que os noticiários me presenteiam, diante dos absurdos que proliferam sem que ao menos possamos descobrir os verdadeiros culpados, eu vou convivendo entre o viver e o viver menos. Me limitando, calculando passos, fechando vidros, olhos atentos a movimentos estranhos. Para viver é preciso perder um pouco o prazer de viver.
Já que não posso me recolher como desejaria, me apego aos apelos das senhorinhas e entrego a vida nas mãos de Deus. Ele soube me guiar até hoje e isso não vai mudar.

4.1.08

Eu (versão 2008)

Eu sou daqueles que se perdem num segundo. Daqueles instáveis que migram da euforia absurda ao desanimo real. Sou daqueles que esperam o novo, que se cansam e que não se cansam de se cansar. Sou daqueles que colecionam algumas rejeições, que não entendem de sentimentos complexos, coisas complicadas, peças pequenas, situações mal resolvidas, amores pensados e orgulho ferido.Sou daquele que erra sabendo que está errando. Mas também sou daqueles que se colocam a consertar as coisas mesmo que o manual de instruções esteja em chinês. Sou daqueles que sentem inveja e que fazem de tudo pra que ela não seja percebida, pois sou daqueles que sentem medo de ser mal interpretados, mesmo que não haja justificativa para o egoísmo. Sou daqueles que sente dor e ainda consegue sorrir vomitando uma piada qualquer.Sou daqueles que geralmente querem mais do que podem carregar. Daqueles impacientes, ansiosos, no anseio doido de amar, de chegar ao fim, de encontrar soluções práticas, respostas curtas e satisfatórias. Sou daqueles que querem tornar fácil o que aparenta dificuldade. Mas sou daqueles que conseguem complicar o que é simples. Sou daqueles teimosos insistentes, chatos, mesquinhos, mas que quando encontram um olhar sedutor deixam tudo pra lá. Por isso que também sou daqueles que se apaixonam fácil, mas não pense que sou daqueles que se vê em uma esquina qualquer. Eu sou daqueles que reclamam falta de sorte. Que perpetuam pouca fé, que não rezam, que não desejam o impossível. Eu sou exatamente daqueles que acreditam no que vêem. Daqueles que contam centavos, que se vislumbram com brilhos, coisas multicoloridas, falas pausadas, silêncios em momentos acertados, surpresas mágicas, encontros inesperados. Sou daqueles que valorizam o acaso, o estranho, o diferente, o incomum. Sou daqueles românticos patéticos que crêem em encontros nas calçadas das ruas movimentadas.Sou aquele como qualquer outro. Sou daqueles que tentam ser engraçadinhos com as palavras. Sou daqueles que tentam te encantar com letrinhas, com ternura, com sinceridade exacerbada... será? Sim, eu sou dos sinceros. Sou aquele de sempre. O vizinho metido, o primo esquisito, o amigo excêntrico, o filho chato. Eu sou bem comum mesmo. Mais que isso é outra pessoa que não eu. Daqueles outros que não sou.

30.12.07

As plantas da minha avó

Minha avó partiu. Mesmo que sua partida parecesse inevitável por arrastados mais de vinte anos, eu não disse o quanto a amava e hoje durmo me perguntando se ela sabia disso. Para me confortar, os amigos dizem que sim. Mas não sei, ainda assim preferia ter dito. Queria ter ido vê-la mais vezes. Contar da minha vida, dos meus planos, das minhas coisas. Queria ter sido mais neto e deixar que ela fosse mais minha avó. Esquecer um pouco essa coisa de mundo e me dedicar ao amor que tínhamos um pelo outro.Por outro lado tenho as melhores histórias para contar sobre ela. Orgulhosamente mais do que qualquer outro neto. É certo que sempre me senti como o filho caçula dos meus avós, o que fez que por um tempo eu visse minha mãe como uma irmã mais velha. O que tenho hoje são as lembranças dos dias ensolarados da minha infância com minha avó me levando para cima e para baixo. Aquela mulher de unhas grandes, rosas, personalidade forte, engraçada sem querer ser. Essa era minha avó.Durante muito tempo achei que as pessoas a temiam. Hoje percebo, talvez por que minha mãe tenha herdado o mesmo gênio, que ambas são admiradas e muitas vezes a admiração e o respeito se confundem com temor. A verdade é que minha avó, ainda que analfabeta, ainda que errando em palavras simples como vassoura ou maçã, era uma mulher à frente do seu tempo e por isso tenho orgulho de dizer que era incompreendida por ela mesma na grandiosidade que nem ela sabia existir dentro dela.Vou fazer questão de a cada novo amigo, cada bisneto, cada pessoa que cruzar o meu caminho a partir de agora, vai saber da Dona Nega e suas histórias. Das colchas de retalhos, os tricôs, as almofadas, o pé balançando onde ela me colocava de cavalinho, a adoração por plantas, o cural de milho, arroz doce, feijão com barra de chocolate! Não se pode esquecer coisas tão simples e tão amáveis. Não dá para esquecer a imagem dela andando pela cidade com minha foto estampada na camiseta.Minha avó partiu e com ela uma parte grande de mim. Num mundo tão duro e desconfiado, onde tudo é descartável, até mesmo os sentimentos, perder uma pessoa que nos amava com todo o amor sincero, é mais que motivo para luto. É uma perda que nem o tempo ou que novos amores poderão reparar. O amor da minha avó por mim era único e eu lamento nunca mais provar que fosse um tiquinho dele.O que me deixa feliz realmente é que ela foi esperta como eu imaginava e deu um jeito de ficar por aqui. Seja nas fotos, nas suas tranqueiras, nas suas plantas, nos filhos e nos netos. Minha avó era uma jardineira que plantou não apenas as arvores e as flores que estão vivas e crescendo por ai, ela plantou pessoas que certamente serão gratas a ela sempre por esse gesto tão puro de Dona Nega.

17.9.07

Nada de nada de nadinha de nada

Quase escrevi um texto engraçado. Destes com rimas fáceis, sonoros, divertidos, pensados demais. Quase escrevi algo que fizesse você rir pra falar do recomeço. Como sempre, você que não é você. Você que apenas uma massa sem cor, sem modelagem, sem cheiro e sem som. Você que é apenas uma massa que ainda insisto caber na forma que tenho em casa. Você que injustamente chamo de você. Ora porque não quero lhe dar nome, ora porque penso que você não existe, ora porque você já existe e conhece o meu olhar. Você, a quem não sei mais se espero ou se procuro, em algum lugar deve estar. Volto a becos escuros procurando uma forma de me enganar. De enganar mais um dia, tapear algumas horas, acordar tarde, com um gosto amargo de final que não acaba. Estou recomeçando. Não há o que faço melhor do que recomeçar. Se estamos recomeçando todos os dias então estou falando desse recomeço consciente. Aquele repleto de promessas, de listas com tarefas, frases proféticas, posturas reguladas, metas traçadas, estratégias debatidas com os amigos. É deste, e novamente deste recomeço que falo. Mais uma vez. É quando percebo que é um breu, aparentemente como aqueles becos, mas com saídas para todos os lados. Vou subir num caixote alto, ver a cidade, repetir canções de dias apertados e pensar em você que ainda é uma massa sem forma, sem nada, sem nada de nada de nadinha de nada de coisa alguma. Você que é apenas um pronome. Estou te esperando, ou procurando. Não sei. Você sabe que é você, então venha logo ou faça um sinal.

11.7.07