28.5.06

As pêras e as maças de mamãe

Minha mãe cozinha uma pêra e duas maças pequenas com açúcar. O pai me olha com atenção. Teme por mim. Os cachorros correm frenéticos, brincam, pulam de um sofá a outro. Paco me olha fundo nos olhos, abana o rabo duro e pede um abraço.
Sinto o cheiro doce da pêra e das maças que cozinham. Dica da Camila aperfeiçoada com o toque do meu anjo em forma de mãe. É assim nesses dias que deveriam ser tristes. Apenas deveriam. Estranha sensação de paz, de dias inesquecíveis da minha infância, onde Cowboys and Angels e Freedom, ambos de George Michael, um dos preferidos de mamãe, dividiam os dias quentes com o cheiro de coentro no feijão e a casa sempre cheia.
Eu fico indo muito lá na infância. É uma referência boa. Gosto de voltar lá, viver um pouquinho aqueles dias, ver o quanto envelhecemos com esse tempo que insistiu em passar, e que mesmo assim nos faz unidos como sempre.
Começa a novela. Nunca subestime o poder de uma novela. Algo barato, beirando a um produto industrial para um “intelectualóide bobo”, mas é muito bom o momento em que juntos, eu, meu pai e minha mãe, rimos e definimos os rumos das tramas. Nos une ainda mais. Nos faz felizes unidos no sofá verde e bege.
É disso que precisava, meus pais. Viver mais perto. Pra que cruzar o mundo atrás de pessoas fascinantes se tenho duas aqui, do meu lado o tempo todo? E o aniversário está chegando, a Copa também. Não vejo a hora. Sempre gostei do abraço do meu pai no dia do meu aniversário e do olhar da minha como quem diz: “foi nesse dia...”. E a Copa? A Copa é uma tradição aqui em casa. Vai ser mais alegria para esses dias meio nublados. Pipoca colorida, bolo de fubá, o verde e amarelo pra todo lado. Vai ser bom gritar gol ao lado deles.
Eu sei que é tudo confuso. Não sei o que será daqui para frente. Ainda não sai lá fora, não vi as pessoas. Algo dentro de mim diz que nada vai mudar. Mas que estranhamente vai mudar pra melhor.

27.5.06

Ainda não sei o que dizer...

Era suspiro doce que fazia o tempo passar como deve ser. Sorrisos felizes escondidos debaixo da mesa em dias sem fim. Uma infância quase inventada, desenhada com giz de cera espalhado pelo quintal. Pequenos estranhos, logo, grandes amigos correndo nas aventuras imaginárias de crianças mágicas que sabiam viver sua ingenuidade até o sol se por.
Ontem pensei nos suspiros da Dona Isma, na mesa da minha vó, naquela menina que nem sei o nome e bateu forte e dolorida a saudade daqueles momentos que não voltam mais. Cria-se um mundo que nos cerca e que nos segura embalado em seus braços enormes. E protegido segui até o suspiro não ser mais doce, até pedir sobrenome para receber meus cumprimentos, depois que minha avó partiu para outros lados.
E o mundo para um desprotegido é assim, uma imensidão de coisas novas que ora nos assustam ora nos possuem. Um vagar pela verdade, entre a realidade e a dor de toda essa vida. Um sentimento de ser dono de si e não ser dono de nada. Um abandono estranho, pois ser deixado por seus brinquedos não pode ser tratado como abandono.
Meu problema foi crescer rápido demais. Mas não chore por isso não, não lamento esse impulso que nos tira aquele ar típico de pessoas de baixa estatura que se melecam com doces, se lambuzam na terra e choram por aquilo que deve ser seu mas que algo os impede de ter.
Crescido, bicho desprotegido, busca essa parte perdida antes completa por suspiros e giz de cera em amores. Amores imitados, vomitados, dilacerados, mágicos, únicos e repetidos. Busquei nos outros o que estava vivo em mim. Passei minha vida sofrendo por outros, é a primeira vez que sofro por mim.
É o melhor, sofrer por mim. Assim num tempo próximo, sem brinquedos, amáveis estranhos e mesa da vó, eu posso amar a mim mesmo.

3.5.06

Antigo rascunho de um roteiro abortado

Viveria melhor num mundo sem despedidas, rompimentos e finais tristes. Tenho vinte e sete anos e ainda choro por perdas como quando era uma criança. Só que de vez ser choro pra fora, escândalo, é choro pra dentro, covarde.
Tenho três traumas: ser esquecido no colégio aos seis anos, ter pego aos dezesseis Carlinhos comendo a minha irmã na garagem, não por ela, mas por ele que era a minha primeira paixão. E agora esse ponta pé que estou tomando.
Deveria existir um vácuo, um buraco negro entre uma relação e outra. O mundo deveria ser devastado por uma bomba atômica louca assim que descobrimos que não somos mais os culpados por calafrios, batedeira no peito, tremedeira nas pernas ou ereção fora de hora. E só voltar a ser mundo quando, após uma noite quente e íntima de sexo surpreendente, ouvir um sincero “eu te amo”.
Mas eu sou um ser patético. A vida não é assim e Marcelo sabe disso. Término é um ritual. Começa com o terrível “precisamos conversar”, segue com um encontro frio e nebuloso num restaurante ou lugar público, pra evitar histerias ou choros deprimentes e humilhantes. A pessoa fala fala fala fala, toma um gole, fala fala fala e não fala nada com nada, porque na verdade quer apenas dizer “não dá mais”.
Não dá mais significa: não quero mais te beijar, nem abraçar ou transar. Não quero mais dormir de conchinha, dividir a escova de dentes, rir das suas piadas sem graça, pegar na sua mão dentro do cinema, em fim, não quer fazer nada, sobretudo tarefas que exijam intimidade entre você e ela.
Marcelo me poupou um pouco disso. Falou pouco, o mínimo. Comemos em silêncio. Pagou a conta, isso amortiza o remorso. Não ousamos falar nada no caminho de volta. E depois de um até logo, me dei conta que ele se foi, atravessando a rua e fugindo do meu campo de visão, uma metade de mim, e que não há nada que eu pudesse fazer para impedir tal perda.
Aquele escritor argentino tem razão, ninguém se separa. As pessoas se abandonam. Essa é a verdade, a verdade verdadeira. O amor pode ser recíproco, mas o fim do amor não, nunca.
Não sei se queria ter tal consciência das coisas, mas se não existe o tal big-bang do amor pra pulverizar tudo, temos é que continuar. Os dias que se seguem a um fora, é como se exilar no frio da Sibéria, com milhares de pessoas olhando pra você com piedade. Com um reality show dramático.