2.8.06

The Carnival is Over - O Retalho n° 7

Retalho N°7 – A despedida dos velhos amigos e do mundo que não lhe pertence mais.


Caio e Renato observam Christian fazendo as malas.

Caio
Tem certeza?

Christian
Poucas vezes tive tanta certeza de algo na minha vida.

Renato
Pra onde vai?

Christian
Me procurar.

Renato
Eu queria ter a sua coragem.

Christian
Re, todos nós temos. Você também a tem. Sei que vocês ainda não entendem, eles nos tiraram as asas, a inocência, os sonhos bons e de alguns até o coração. Mas eles não conseguiram tirar tudo e é nisso que você tem que se agarrar.

Caio
Conversa! Não dou dois meses pra você estar aqui de volta.

Christian
Caio, eu nunca mais vou pisar nesse cinema. Não preciso mais me agredir. Acabou! Vou sentir falta de vocês, de alguns momentos, mas o que espero pra mim é mais do que isso.

Caio
Mais do que a gente?

Christian
Sinto muito, mas mais do que vocês.

Caio
Vamos Renato, deixa esse sabe tudo ai, quebrar a cara dele!

Renato
Até um dia, amigo.

Christian
Até Re, se procure, se procure sempre.

Renato
Pode deixar.

O bonde vazio estaciona na frente do cinema. Christian olha para o cinema pela última vez.

Motorista
Vamos filho! Não temos o dia todo.

Christian
Não tem volta. Tem?

Motorista
Não. Uma vez que você atravesse o gueto por esse bonde, nunca mais há volta. E se voltar, não volta como é hoje.

Christian sobe no bonde que parte.

Christian
Posso ler algo para o senhor?

Motorista
Claro meu jovem!

Christian tira o seu bloco de anotações e lê para o motorista enquanto o bonde passa pelas ruas do gueto, onde pessoas perdidas se perdem ainda mais.

Christian
Estive, por um tempo, guardado aguardado dentro de velhos guardanapos. Estive preso em momentos do passado, em lembranças boas, em medos frágeis e em sonhos impossíveis. Estive acreditando e desacreditando. Dizendo não quando na verdade queria dizer sim. Uma vez lá em cima, outra vez lá embaixo. Tudo muito contabilizado, pesado, registrado, calculado. Vida sem graça que se ia perdida e achava em roteiros mal escritos, e-mail jamais enviados e telefonemas para sempre esperados. Restava gostos, perfumes, músicas e pedaços de alguém em mim. E ainda sobrava espaços enormes e vazios, escuros e frios. Nem mais chorava. Não mais lamentava. Comum sentir saudade, comum sentir falta. Comum achar que não pode, que não vai haver. Comum achar que não é correspondido e conhecido. E assim, na janela e na busca da luz amarela, o garoto dos três pontos, das borboletas azuis, dos ovos, do coração e o congelador, aprendeu que subestimar os acasos é subestimar a si mesmo. Acontece que as coisas acontecem, e mais uma vez o coração dispara, a perna treme. A emoção, as afinidades, as palavras e o desejo, cada um a seu tempo. A felicidade está de volta. Os dias bons chegaram.

Motorista
É meu rapaz, você está realmente preparado para deixar o gueto.

Christian
É porque os dias bons chegaram.


Continua...

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