29.1.07

Ao Pano de Chão

Poderia dar milhares de explicações. Dissertar futilidades. Futricar segredos alheios. Dissecar sentimentos mortos. Abastecer de junções numéricas. De sílabas em sílabas codificando a ansiedade que corrói, a falta de otimismo que transborda no copo acumulado e transbordado pelo jeito da Lua. Como dedo apontado pro lado do quadrado. Na barriga nada salientada, nos ossinhos finos aparentes de Pano de Chão. E com esse cheiro de chuva, uma molhada rua deve servir de descanso para o pequeno risonho, ainda que sem motivos para sorrisos. E à luz da lua, água da chuva, cheiro de coisa crua, nesse momento quase sagrado, penso mais em Pano de Chão do que nas coisas que movimentam o meu coração. Deve ser fuga desastrada embalada em músicas suaves, trilhas de filmes felizes, de momentos redondinhos, saborosos. Deve ser dessa velha mania de imaginar. Dessa velha mania que não some, que não me deixa, que não se ausenta e que inventa de ficar. No latido fino, no grito contido, nesse abandono de quem já não se diz abandonado. Pano de Chão sabe do que estou falando. Ele sente o barulho da chuva e sei que vê o clarão lá longe onde nunca poderemos tocar. Sabe que sofrimento é coisa que se esquece e que se lembra depois e que se esquece pra nunca mais lembrar e pra nunca mais ter que esquecer. Pano de Chão é forte e sabe disso. Franzino querido, sozinho na rua solidão, é ele quem sabe, o único talvez, a essência de sua existência já morta. Quando se perde tudo, ou a noção de tudo, pode-se achar um monumento em sua homenagem. Ainda que desconhecido, ou melhor, ignorado, Pano de Chão faz do seu dia a dia, de cada acordar, uma homenagem a si mesmo. E assim vai lá, de lá pra cá, a procura de um pedaço de chão mais seco, assim não se cansa, no já cansado corpinho, de absorver toda essa falta de atitude que temos por ele e porque não, com nós mesmos.

Um comentário:

Belle disse...

ah! como somos parecidos