31.3.06

Fuja de mim

Não é a música triste. Nem a crise sem fim. Não é esse nada repleto de bagunças aqui dentro. Tenho uma resposta, falta a pergunta. Ela segura forte na mão da mãe como se essa pudesse deixá-la ali, na calçada do garoto de boné e camisa vermelha. Bate no peito, algo pula de sua boca. Rosa com preto combinam na direção que lhe apontam. Já não me agarro tão forte em minha mãe. Já não tenho mais a certeza de que tudo sempre acaba bem como ela ninava.
Essa coisa lá fora que me fascina. Ela disse ontem que matou formiga. Triste e engraçado. Já matei gafanhotos e tatus bola. Que merda! Estranho ser você e não te querer. Estranho rejeitar o que mais se quer. Calar num peito trancafiado. Há uma beleza nisso. No rosto sincero dessa perfeição. Sim, é você que amo, mas é você que finjo não querer.
Do desejo rompido, na verdade, mais contido, e dessa janela e da árvore verde de pequenas folhas, eu vejo que lá fora está o segredo. A pergunta talvez não exista. Assim como aquele que corre, o que carrega e se esforça.
Não há palavra mais longa que não possa ser lida, mas se quiser entender desse sentimento não busque a resposta, mas a pergunta. Palavras são tolas porque as fazemos assim. Suspiros de vírgulas tortas procuram nos guiar na falta de luzes amarelas. E não há inveja ou ira de seus beijos selados em outros. Um dia foram meus.
Não importa mais. A crise é mesmo sem fim. E se hei de ser conformista que seja assim, debaixo do seu abraço e de seu olhar doce.
Agora fuja de mim. Corra para muito longe. Viva seus amores. Agarre forte e sinta o querer. Se for preciso volte pra contar. A dor de não te ter é nanica perto do sabor de ser com você.Mais uma vez, sem perguntas. Só uma resposta. Eu quero. Eu sempre quero.

28.3.06

Subimos os dois. Desci só.

Dia ia. Dia ficava. Até que um dia, foi. Sem nuvens, sem luzes, sem esperas e gravatas e palavras mal usadas. No momento em que se foi, fiquei meio oco por dentro. A imensidão da beleza de um sentimento que se perdeu. Que deixa a marca marcada viva e morta dentro de algo que já não existe mais.
As borboletas trazem. As borboletas levam. Todo dia é assim. Toda paixão está escondida ai. Doença mal curada, caras mal lavadas, pedras e pedras e aquele brilho já sem brilho, aquela sensatez, a verdade, o infinito perdido no acabado aclamado fim de lágrimas e de dias sem fim.
Promessas bondosas, queridas repetidas. Se vai a dor do vazio e fica a esperança dos teimosos românticos, melancólicos e adoradores de biscoito com guaraná na madrugada.

23.3.06

O Muro dos Órfãos

INT. / QUARTO DE DECO / MANHÃ
Um pequeno ventilador branco de hélices azuis vira de um lado para o outro. Move-se lento e com baixo ruído. Fitinhas coloridas de Nossa Senhora Aparecida estão amarradas na armação branca que protege as hélices. As fitinhas balançam com o vento. Dormindo em sua cama está o jovem DECO. Sem camisa, veste apenas um pequeno short preto do Corinthians. Dorme largado, espalhado pela cama, de barriga para baixo e abraçando o travesseiro. Da janela, próxima à cabeceira da cama, vê-se uma das janelas da casa vizinha.

INT. / QUARTO DE CÉSAR / MANHÃ
Próximo à janela do quarto de CÉSAR, um jovem franzino e tímido, está a cômoda de onde apressadamente tira, debaixo de algumas roupas, uma fita VHS com o título “Colegiais Gulosas”. Liga a TV, coloca a fita no vídeo cassete. Ouve-se gemidos e o zíper de sua calça. Ajoelhado na frente da TV, CÉSAR se masturba.

EXT. / VARANDA DA CASA DE DONA GILDA / MANHÃ
DONA GILDA, mãe de DECO, mulher de meia idade, um pouco acima do seu peso, está entre a porta da varanda e a da sala. Esfrega as mãos no avental angustiada. Olha para o corredor, extensão da sala, onde ao final está a escada que sobe para o andar superior. Olha para a varanda da casa vizinha. Continua esfregando o avental angustiada. Passa por ela, vindo de dentro da casa, o PEDREIRO com uma lata repleta de entulho. DONA GILDA dá passagem ao homem, que ao fundo despeja o entulho numa caçamba colocada na frente do portão da casa. O PEDREIRO volta, passa por DONA GILDA, ela novamente dá passagem, nota, saindo na varanda da casa vizinha, SEU ARMANDO, homem também de meia idade, de feições fechadas e aparência militar.

EXT. / VARANDA DA CASA DE SEU ARMANDO / MANHÃ
SEU ARMANDO, de sua varanda, vê DONA GILDA angustiada com as mãos dentro do avental. Olha para a vizinha com olhar ameaçador. Desce o lance de escadas que dá na garagem, abre o portão e percebe o carro de DECO estacionado em frente ao seu portão.

EXT. / RUA, FRENTE DA CASA DE SEU ARMANDO / MANHÃ
Enfurecido, SEU ARMANDO vira-se na direção da janela do quarto do filho de DONA GILDA, que observa angustiada de sua varanda.
SEU ARMANDO
Ô vagabundo!!! Acorda vagabundo!!! Quantas vezes já não falei pra você não estacionar esse lixo de carro na frente do meu portão?
INT-EXT. / VÁRIOS / MANHÃ
QUARTO DE DECO
DECO dorme esparramado em sua cama.
SEU ARMANDO (V.O.)
Ei vagabundo! Acorda seu moleque!
DECO abre o olho, se vira, esfrega os olhos. Senta na cama sonolento.
SEU ARMANDO (V.O.)
Isso que dá não ter pai! Vira Tudo vagabundo!
DECO levanta, e tira um revólver debaixo do travesseiro e o coloca na cintura.

ESCADA E CORREDORES DA CASA DE DONA GILDA
DECO, ainda sem camisa, descalço e com a arma na cintura, desce as escadas furioso. Passa apressado pelo corredor que separa a escada e porta da sala. DONA GILDA tenta impedi-lo no meio do corredor.
DECO
Sai da frente, velha!
DECO empurra a mãe, que cai no chão do corredor.

RUA, FRENTE DA CASA DE SEU ARMANDO.
Ao sair da varanda da casa da mãe, DECO esbarra com o PEDREIRO e anda em direção à SEU ARMANDO.
DECO
Quem é o vagabundo? Fala? Quem é?
SEU ARMANDO e DECO ficam cara a cara.
SEU ARMANDO
É você, seu merdinha...

DECO ameaça tirar o revolver da cintura.
SEU ARMANDO
Não tenho medo desse seu brinquedo não, moleque!
DECO
Eu só não mato o senhor porque era amigo do meu pai...
DECO abre a porta do carro e sai cantando pneu.

INT. / CORREDOR DA CASA DE DONA GILDA / MANHÃ
Caída, DONA GILDA ouve o barulho de pneu cantando contra o asfalto. Ao levar a mão ao canto da boca, percebe estar sangrando, levanta com dificuldade.

INT. / QUARTO DE CÉSAR / MANHÃ
CÉSAR continua se masturbando, ouve-se os gemidos vindo da TV. Ouve-se também a buzina de um carro.

EXT. / CARRO DE SEU ARMANDO / MANHÃ
Sentando ao volante de seu carro, SEU ARMANDO, buzina chamando por seu filho CÉSAR.
SEU ARMANDO
Menino que tá sempre atrasado.

Buzina novamente.

INT. / QUARTO DE CÉSAR / MANHÃ
Os gemidos vindos da TV são mais intensos, as buzinas também. CÉSAR se apressa. A mão procura por um pedaço de papel higiênico no carpete do quarto, o encontra. CÉSAR ejacula. Levanta o rosto sentindo o prazer. As buzinas continuam. Quando acaba, abaixa a cabeça no sentido contrário, ofegante, e com feição de arrependimento, CÉSAR desliga a TV e o vídeo cassete. Novamente ouve a buzina.

EXT. / VARANDA DA CASA DE SEU ARMANDO / MANHÃ
CÉSAR sai pela varanda da casa ajeitando a mochila nas costas e tomando um suco em caixinha. Tranca a porta apressado. Olha para a varanda da casa vizinha e DONA GILDA, passando um lenço no canto da boca, acena sorrindo o cumprimentando. CÉSAR retribui com um sorriso afetuoso. Desce o lance de escadas, tranca o portão da garagem e entra no carro do pai.

EXT. / CARRO DE SEU ARMANDO / MANHÃ
CÉSAR entra no carro e fecha a porta.
SEU ARMANDO
Estamos atrasados de novo...

CÉSAR em silêncio observa a paisagem pelo vidro do carro.
SEU ARMANDO
É Isso que dá não ter um pai. (pausa) Tá vendo, você reclama de não ter uma mãe. (pausa) Cada vez mais acredito que hoje em dia é melhor ter um pai do que uma mãe...
CÉSAR continua olhando a paisagem indiferente ao que o pai diz.
UM FIM QUE UM DIA CONTINUA...

O dia em que os dias bons voltaram

Houve uma vez em que fui feliz. Eram dias de sorrisos fáceis, alegrias bem alegres, felicidade misturada com chiclete de maracujá, filme com pipoca, poemas na madrugada, risada boba e guerra de travesseiro.
A gente acha então que nunca mais vai ser feliz. Que foi tão bom e perfeito, tão único e mágico, que jamais algo parecido irá surgir na nossa vida. Eu estive, por um tempo, guardado aguardado dentro de velhos guardanapos. Estive preso em momentos do passado, em lembranças boas, em medos frágeis e em sonhos impossíveis.
Estive acreditando e desacreditando. Dizendo não quando na verdade queria dizer sim. Uma vez lá em cima, outra vez lá embaixo. Tudo muito contabilizado, pesado, registrado, calculado. Vida sem graça que se ia perdida e achava em roteiros mal escritos, e-mail jamais enviados e telefonemas para sempre esperados.
Restava gostos, perfumes, músicas e pedaços de alguém em mim. E ainda sobrava espaços enormes e vazios, escuros e frios. Nem mais chorava. Não mais lamentava. Comum sentir saudade, comum sentir falta. Comum achar que não pode, que não vai haver. Comum achar que não é correspondido e conhecido.
E assim, na janela e na busca da luz amarela, o garoto dos três pontos, das borboletas azuis, dos ovos, do coração e o congelador, aprendeu que subestimar os acasos é subestimar a si mesmo.
Acontece que as coisas acontecem, e mais uma vez o coração dispara, a perna treme. A emoção, as afinidades, as palavras e o desejo, cada um a seu tempo. A felicidade está de volta. Os dias bons voltaram.

Notícias Velhas... do ano passado.

Eu estive procurando motivos que explicassem o meu desânimo. Andei procurando respostas para o meu cansaço. Buscando culpados para as minhas decepções. O mais engraçado e interessante é quando a gente descobre que não há quem culpar. Quando na verdade não existem nem mesmo desânimo, cansaço e decepções.
É desse modo que descobri que estava mudando. Não era o mundo a minha volta e sim eu, e tão somente eu, que estava mudando. Sem perceber fui atirando flechas por ai. Fui seguindo o caminho daqueles que nunca se dão conta de si próprios. E antes de cair em tal desgraça eu voltei e segui a estrada que acho a correta.
Me encontro exatamente ai, e é de onde lhe darei as noticias que você pediu. Encontrá-lo é sempre algo inesperado, e sempre será, sabes tão bem quanto eu como tudo isso começou. E portanto acho que lhe dizendo como anda a minha vida é como se eu fizesse um balanço pra mim mesmo do que foi esses últimos anos.
Na verdade as coisas mudam muito lentamente. Quando a gente vê tá mudado e pronto. Algumas coisas, algumas pessoas fatalmente vão ficando pelo percurso. Já não me dói tanto essas perdas. E não que não façam falta, mas hoje sei conviver perfeitamente com as perdas e com tudo aquilo que me faz falta. Creio que é a força de seguir é maior que a de ficar lamentando para traz.
Digo isso pois essa era uma das coisas das quais eu mais me queixava a você. O medo de ser ponte, de ser descartado, de ser deixado e esquecido. Não há alguém tão importante, tão único, tão especial que não possa ser esquecido, então por que eu o seria?
E nessas conformidades mescladas com mudanças esparançosas, a gente vai vendo as coisas caminharem para o devido lugar. Sinto saudades como antes. Choro como antes. Amo como sempre, mas tudo agora com sua devida intensidade. Sem exageros. Sem “nãos” e nem “porquês”. Sem tristes fins, sem histórias lendárias, sem coisas pesadas pra carregar.
Continuo escrevendo. Roteiros. Pego uma pessoa aqui e a coloco perto da outra. Como dois brinquedos. As afasto, as vejo chorar, as trago de volta e vivo tudo ali, no jogo da imaginação. Na proteção singela das letras. Não quero mais viver tudo no cara-a-cara. Há momentos que posso viver sem correr riscos maiores. Há coisas tão condenáveis em outros tempos que posso fazer agora sem maiores ressentimentos. No branco eu crio o meu mundo, a minha fuga e tudo o que eu quiser.
Então não sou tão diferente assim. Subjetivo? Ainda existam exageros nisso. Sim, mas como é bela a subjetividade quando o que ela apenas quer é proteger? Não penso em forma melhor de me expressar e de conviver do que essa.
Ainda sim o contato é muito importante, e nisso já tenho as minhas outras saídas. Não que seja uma saída, é mais uma entrada, mas penso muito em fazer psicologia e me arriscar em terrenos mais impessoais. Penso que seria tarefa executado com êxito. Gosto de fazer coisas bem feitas, bem sabe, e eis que talvez tenha encontrado a solução máxima para a existência.
De resto me decepcionando, nem tanto, com pessoas, lugares, governos e molecagens. Eis que isso são fatos isolados dos quais consigo rir e tirar proveitos melhores. É a sina de quem prefere sorrir a deixar-se queixar por tudo aquilo que não aconteceu.
E no depósito “lembrança”, você tem o seu lugar. No lado B5 (onde ficam lembranças boas, não-muito-resolvidas, hehehe) e com todo o cuidado te preservo lá. Desde um papel pequeno, amassado, com um nome e telefone. Até a figura que vai se perdendo no rosto, nos jeitos e de tudo mais. É, a gente envelhece e o esquecimento vai corroendo a forma, mas não destrói a essência.

Aos velhos tempos,
Ao cinema,
À Marisa Monte,
E à Empresa Metropolitana de Trens Urbanos.

Bye Stranger

"Eu sempre acho, quando começo a escrever, que vai sair o texto, o roteiro, o conto, a carta da minha vida. Sempre acho que o próximo será o último. E que o último é apenas o primeiro. Nessa louca aventura de escrever, de viver em letras, de mais imaginar do que viver, de mais querer do que ter, de mais ver do que tocar.Há uma graça nisso tudo. Há algum encanto desencantado enterrado em alguns desses parágrafos, cenas, linhas, cabeçalhos. Há saudades e reticências. Há três pontos, vontades inusitadas, acentos mal acentados, pontos finais em lugares equivocados, vírgulas com nome de anjo, anjos querendo ser vírgula, palavras por palavras, e finalmente, apenas palavras.É sempre assim. Já deveria ter me acostumado com o começo, com o meio e com fim. Deveria me conformar mais com histórias clássicas, lágrimas, letreiros, músicas tristes, olhares tristes, finais vazios e cheios e repletos e vivos em seu silêncio de esperança.As vezes perto de mais, outras vezes longe demais. Ao seu lado no parque, longe no fim de semana. Juntinho no próximo roteiro, afastados quando toca a música. É sempre um sofrer por um triz. Um sinal vermelho que se fecha. Uma revelação atrás da vitrine. Você sorrindo e eu lamentando. Milhares de espectadores chorando a minha dor, que logo vira um sorriso tímido de perdedor e que mais pra frente vira história, gargalhada em mesa de bar.Mas se o momento me faz sentir falta de você. Se o momento me faz perceber que há coisas e pessoas entre a gente, além das letras e mais letras, eis que tenho então que aceitar tal sentir, e não menosprezá-lo, irei sentir de toda forma. Fingimento é tão falso, e não posso mais falsear a mim mesmo.E de palavras pedantes, entre as repetidas e as mal escritas, estará sempre aquela só nossa. E se me vires andando por ai, numa calçada qualquer, sorrindo, não me importando, tropeçando, me atropelando, não se esqueça que sou eu. E pense, uma ou duas vezes antes de dizer: Hello stranger!Fomos estranhos apenas uma vez. Apenas uma vez".
Assistam Closer!!!

Porque Totó não procurou por Elena depois que Alfredo morreu?

Certamente por que ele não é você ou eu. Nem sempre as histórias terminam como gostaríamos. Muito raro quando fazem o que queremos, do jeito que achamos o certo. E quando isso acontece, se torna chato, previsível e não é digno de ir para a minha prateleira de favoritos.
Tudo na minha vida é assim: listado, catalogado, separado, dividido em favoritos e o resto. Favoritos são os que me surpreendem, me peitam, me aborrecem, me deixam de queixo caído, me apóiam resmungando, me empurram com o coração partido. Favoritos são aqueles que nos provocam, que nos fazem pensar, pelos quais choro de raiva e pelos quais choro de saudade. Favoritos, apesar de estar no plural, são poucos. As pessoas estão ocupadas demais para nos surpreender, ou envolvidas em seus problemas inventados. Os filmes não nos surpreendem por que acham que agora o importante é tudo aquilo que é fácil de digerir, que dá retorno, que enche ainda mais bolsos já repletos de mesmices.
Então aos meus favoritos, os quais não revelo nem aos próprios, continuem me chutando e me acariciando. Continuem me surpreendendo, assim como fez Totó, assim como faz os bons heróis, ainda que na magia do cinema.