23.3.06

O Muro dos Órfãos

INT. / QUARTO DE DECO / MANHÃ
Um pequeno ventilador branco de hélices azuis vira de um lado para o outro. Move-se lento e com baixo ruído. Fitinhas coloridas de Nossa Senhora Aparecida estão amarradas na armação branca que protege as hélices. As fitinhas balançam com o vento. Dormindo em sua cama está o jovem DECO. Sem camisa, veste apenas um pequeno short preto do Corinthians. Dorme largado, espalhado pela cama, de barriga para baixo e abraçando o travesseiro. Da janela, próxima à cabeceira da cama, vê-se uma das janelas da casa vizinha.

INT. / QUARTO DE CÉSAR / MANHÃ
Próximo à janela do quarto de CÉSAR, um jovem franzino e tímido, está a cômoda de onde apressadamente tira, debaixo de algumas roupas, uma fita VHS com o título “Colegiais Gulosas”. Liga a TV, coloca a fita no vídeo cassete. Ouve-se gemidos e o zíper de sua calça. Ajoelhado na frente da TV, CÉSAR se masturba.

EXT. / VARANDA DA CASA DE DONA GILDA / MANHÃ
DONA GILDA, mãe de DECO, mulher de meia idade, um pouco acima do seu peso, está entre a porta da varanda e a da sala. Esfrega as mãos no avental angustiada. Olha para o corredor, extensão da sala, onde ao final está a escada que sobe para o andar superior. Olha para a varanda da casa vizinha. Continua esfregando o avental angustiada. Passa por ela, vindo de dentro da casa, o PEDREIRO com uma lata repleta de entulho. DONA GILDA dá passagem ao homem, que ao fundo despeja o entulho numa caçamba colocada na frente do portão da casa. O PEDREIRO volta, passa por DONA GILDA, ela novamente dá passagem, nota, saindo na varanda da casa vizinha, SEU ARMANDO, homem também de meia idade, de feições fechadas e aparência militar.

EXT. / VARANDA DA CASA DE SEU ARMANDO / MANHÃ
SEU ARMANDO, de sua varanda, vê DONA GILDA angustiada com as mãos dentro do avental. Olha para a vizinha com olhar ameaçador. Desce o lance de escadas que dá na garagem, abre o portão e percebe o carro de DECO estacionado em frente ao seu portão.

EXT. / RUA, FRENTE DA CASA DE SEU ARMANDO / MANHÃ
Enfurecido, SEU ARMANDO vira-se na direção da janela do quarto do filho de DONA GILDA, que observa angustiada de sua varanda.
SEU ARMANDO
Ô vagabundo!!! Acorda vagabundo!!! Quantas vezes já não falei pra você não estacionar esse lixo de carro na frente do meu portão?
INT-EXT. / VÁRIOS / MANHÃ
QUARTO DE DECO
DECO dorme esparramado em sua cama.
SEU ARMANDO (V.O.)
Ei vagabundo! Acorda seu moleque!
DECO abre o olho, se vira, esfrega os olhos. Senta na cama sonolento.
SEU ARMANDO (V.O.)
Isso que dá não ter pai! Vira Tudo vagabundo!
DECO levanta, e tira um revólver debaixo do travesseiro e o coloca na cintura.

ESCADA E CORREDORES DA CASA DE DONA GILDA
DECO, ainda sem camisa, descalço e com a arma na cintura, desce as escadas furioso. Passa apressado pelo corredor que separa a escada e porta da sala. DONA GILDA tenta impedi-lo no meio do corredor.
DECO
Sai da frente, velha!
DECO empurra a mãe, que cai no chão do corredor.

RUA, FRENTE DA CASA DE SEU ARMANDO.
Ao sair da varanda da casa da mãe, DECO esbarra com o PEDREIRO e anda em direção à SEU ARMANDO.
DECO
Quem é o vagabundo? Fala? Quem é?
SEU ARMANDO e DECO ficam cara a cara.
SEU ARMANDO
É você, seu merdinha...

DECO ameaça tirar o revolver da cintura.
SEU ARMANDO
Não tenho medo desse seu brinquedo não, moleque!
DECO
Eu só não mato o senhor porque era amigo do meu pai...
DECO abre a porta do carro e sai cantando pneu.

INT. / CORREDOR DA CASA DE DONA GILDA / MANHÃ
Caída, DONA GILDA ouve o barulho de pneu cantando contra o asfalto. Ao levar a mão ao canto da boca, percebe estar sangrando, levanta com dificuldade.

INT. / QUARTO DE CÉSAR / MANHÃ
CÉSAR continua se masturbando, ouve-se os gemidos vindo da TV. Ouve-se também a buzina de um carro.

EXT. / CARRO DE SEU ARMANDO / MANHÃ
Sentando ao volante de seu carro, SEU ARMANDO, buzina chamando por seu filho CÉSAR.
SEU ARMANDO
Menino que tá sempre atrasado.

Buzina novamente.

INT. / QUARTO DE CÉSAR / MANHÃ
Os gemidos vindos da TV são mais intensos, as buzinas também. CÉSAR se apressa. A mão procura por um pedaço de papel higiênico no carpete do quarto, o encontra. CÉSAR ejacula. Levanta o rosto sentindo o prazer. As buzinas continuam. Quando acaba, abaixa a cabeça no sentido contrário, ofegante, e com feição de arrependimento, CÉSAR desliga a TV e o vídeo cassete. Novamente ouve a buzina.

EXT. / VARANDA DA CASA DE SEU ARMANDO / MANHÃ
CÉSAR sai pela varanda da casa ajeitando a mochila nas costas e tomando um suco em caixinha. Tranca a porta apressado. Olha para a varanda da casa vizinha e DONA GILDA, passando um lenço no canto da boca, acena sorrindo o cumprimentando. CÉSAR retribui com um sorriso afetuoso. Desce o lance de escadas, tranca o portão da garagem e entra no carro do pai.

EXT. / CARRO DE SEU ARMANDO / MANHÃ
CÉSAR entra no carro e fecha a porta.
SEU ARMANDO
Estamos atrasados de novo...

CÉSAR em silêncio observa a paisagem pelo vidro do carro.
SEU ARMANDO
É Isso que dá não ter um pai. (pausa) Tá vendo, você reclama de não ter uma mãe. (pausa) Cada vez mais acredito que hoje em dia é melhor ter um pai do que uma mãe...
CÉSAR continua olhando a paisagem indiferente ao que o pai diz.
UM FIM QUE UM DIA CONTINUA...

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