29.6.06

Ao mais novo retalho de meus adoráveis retalhos

Minha mãe tem mãos de fada. Meu pai mãos hábeis de mágico. Pra mim, a mão ficou assim, instrumento de trabalho. Mais útil que a língua, mais sensível que o olhar, mais rápida que o pensamento e mais pulsante e viva que o coração. Há exageros aqui, mas escrever é o meu sentido e o jeito estranho de me apresentar nesse mundo.
Me conhecerás mais através das palavras que rabisco do que nas frases que gaguejo. Saberás mais de mim nas tortas linhas, erros ortográficos que nos profundos silêncios ou intensos olhares. São nas palavras que me escondo. Portanto será nelas que me encontrarás. Letras em mim são mais que letras, são pedaços vivos entrelaçados nas entrelinhas dos meus dias.
Sabe, de onde estou, aqui no marasmo-trabalho, posso ver uma árvore de folhas verdes escuras, outras verdes mais claras e outras em outros verdes tons. Todas tão miúdas, pequenas e bem delicadas. A luz do sol clareia um de seus lados e não contempla os outros. O vento então bate e as folhinhas tão diminutas dançam ora iluminadas ora escondidas. Fico aqui vendo esse balé verde e me perco em pensamentos diversos, procurando pelas respostas de toda uma vida.
Como disse, há exageros. Sou assim, um exagero em duas pernas, poucos cabelos, sorriso largo e olhar curioso. Sou um pouco tudo e muito de nada. As vezes fica a impressão de que sou o oposto do que mostro, mas atente e me leia uma, duas ou até três vezes com mais calma. Inverto muito e isso confunde.
Essa troca de sintonias com você é presente raro. Coisa mágica, sem definições. Situação sincera, calma, verdadeira e intensa. Você me lê e eu o leio. Sem maiores pretensões, grandes planos ou outras inquietações. Nesses dias, da mais pura sinceridade que poderia dedicar a alguém, abri a porta desse maluco e insano mundo que construo com meus doces retalhos, loucas histórias e muitas risadas. E assim sinto entrar em seu fascinante lugar e mergulhar em suas verdadeiras palavras.
Tudo isso clareia o sorriso. Ascende a luz nos dias que estavam escuros. O recente mal deveria ter me condenado, mas na loucura toda dessa minha vida, essa coisa microalgumacoisa trouxe de volta ou trouxe de vez essa vontade de ser e de viver mais que nas palavras e nos desejos. E foi quando me levantei e por acaso você apareceu. Pode dar em tudo, pode dar em nada. Mas vejo a esperança nascendo numa nova e grande amizade.

28.6.06

Carta para além dos muros.

Algo brilha lá na frente. Está longe. Não posso tê-lo. Não sei decifrá-lo. Algo me chama sem gritar. Me espera sem lamentar. Me busca sem tocar. Deixei os muros seguros pois meu coração diz que muros seguros não existem. Cada um constrói o seu. Só ou abraçados, cada um faz existir o seu muro. E os belos muros daquele sonho não são meus.
Quando se busca a si mesmo de verdade é assim. Apelos bruscos, interrupções, coisas bonitas que se partem e que partem para algum lugar além dos muros. Buscar a si requer perdas, requer o sofrimento de conviver com perdas e de lembrar as perdas. Viver é perder, é ser, é inverter, morrer, saber e não saber. Viver é ter. É se lançar no mar desconhecido e fascinante de novos rumos, novas fantasias, novos dias de flores e luzes amarelas. Então, perder e ter estão assim, bem casados, juntos e “in-separados”. Eu já sabia disso na queda, nos dias escuros, nos corredores imundos. Cheiro azedo de solidão mastigada por estranhos prazeres. Uma busca frenética pelo olhar doce a me olhar por todos os dias rosas e azuis e verdes. E fui me perdendo e me condenando a uma prisão que hoje me liberta e me faz ver além dos muros seguros de nossos sonhos. Vivo liberto de mim mesmo. Voando por jardins repletos de borboletas azuis que sorriem sem medo, sem freios. São dias de ricas imagens, coisas doidas que se desfazem em desejos de dias melhores. São vidas em ciclos, são pitadas de felicidades, palavras sem medidas, instantes de alegrias, calma bem vivida.O mal me traz o bem. Traz de volta quando me perdi em mim mesmo. Essa mania estranha de desembrulhar, fazer diferente pra teimar, assustar com tamanha beleza. Vou me encontrando, pulando muros, esquecendo um pouco, lembrando um dia. Vou em busca de mim, desse algo que brilha além dos muros. Sou eu. Apenas eu. Esperando.

27.6.06

O fim não é fim... mas o começo é começo.

Sonho pra não fugir em noites que vem e vão. A hora é essa. Não quero me apegar tanto nas bobagens mas não quero viver de chatices. Basta mudar a direção dos refletores e voltarei a sorrir. As coisas mudam e eu tentei.
Vou caminhar nas flores. Estou indo pra longe. Indo na busca de novos olhares. Novos acasos do acaso. Ainda posso acreditar. Imaginei histórias ao seu lado e agora me convenço que elas são apenas histórias. Algo mudou e eu não quero mais. Vou partir, vou subir as escadas daquele salão alegre. Novas cenas e personagens. Meio confuso, meio incerto, mas sei as minhas razões. Não creio mais nas suas palavras e ainda assim, moras dentro de mim.Hoje vai ser um dia bom. Tem suspiros novos nos meus dias. Virão outras madrugadas mágicas, sessões incríveis de cinema, cumplicidade e afinidade confiadas novamente. Não descarto, apenas vivo o que me faz bem. Ao lado dos que me fazem feliz. Então creio que os dias serão melhores. Mas vou sentir saudades.

20.6.06

Amigos

Andar de cima, última sala à direita. Ótima festa. Recepção calorosa de amigos verdadeiros. Olhares atentos. Certo reconhecimento no ar. Vinte e cinco anos passados e tudo ali, parado e estático-alegre na sutil sala São Paulo. Recomeço feliz ao lado dos retalhos tão importantes em momentos como esse e em todos os outros momentos não tão importantes.
Reunião de amores. Sorrisos limpos e abraços sinceros. Tudo assim, bem simples e verdadeiro. Sem poesia, meio seco, no que é. Não são relações imaginárias, sentimentos idealizados. Não são personagens de roteiros mal escritos. São amigos. São pedaços de mim.
E depois de dias nublados eis que surge o Sol. Deveriam ser “Sois” já que são mais de um e mais que dois e um pouco mais que três. Não são muitos, mas são os que completam. Não são os melhores, mas são os ideais pra mim. Amigo é isso, formas queridas, travesseiros imperfeitos que acolhem e acomodam nas quedas noturnas em sonhos e pesadelos.
Os amigos despertam esse lado feliz. O lado bom de mim. Meus amigos, mais anjos que amigos, são pessoinhas incríveis que por sorte, destino ou acasos do acaso surgiram na minha vida. Com cada um deles, histórias memoráveis. Longas conversas e intensas discussões. Devo a eles esses suspiros positivos, essa vontade louca de fazer tudo melhor e diferente. Devo a eles o desejo de tornar longo o que aparenta ser curto e irremediável. Devo a eles os bons dias, o brilho do sorriso e a vontade que não para de crescer.
Amigos, cada um de vocês (e não preciso pontuar nome por nome) é importante e indispensável na minha vida, na nova vida e na caminhada que não termina. Teremos surpresas, boas surpresas, como a agradável festa no mágico casarão. E juntos, bem juntinhos, traçaremos dias tão alegres como aquele. Então, o meu sereno, sincero e emocionado obrigado.

16.6.06

Aos que me visitam quando é noite e estou só.

Creio mais no amor. Creio mais nas palavras de amor. Creio nas palavras que exageram e nas palavras que nos faltam. Olhe nos meus olhos e verás que tentei crer com mais força cenas atrás. Hoje sou um substituto de mim mesmo. Um amor substituindo as dúvidas de uma vida.
A luz brilha forte agora e posso mostrar que serei feliz. É um obvio e belo pensamento. Pensamentos bons são óbvios para os que acreditam. Os bons pensamentos são belos para os sonhadores. Então eu devo ser um pouco sonhador e devo crer mais nos desejos das recentes comemorações.
O mundo é novo, a sensação que lhe entrego também. Coisa alguma dita assim com facilidade. Eu vou olhar mais os anjos e sorrir pra eles. Os anjos me visitam sobretudo quando é escuro e é quando sonho, quando acredito e quando quero de verdade. Eles me guiam e me dizem a verdade. Sopram aquela mania de persistir, de tentar até o último minuto. Suspiram tudo o que já sabia e que ainda eram apenas cacarecos desconhecidos. Já não alcanço o futuro mas abraço muito bem o presente.
E nesse novo outono, novos dias de uma vida quase nova, os temores são grandes e o poder do adeus é coisa que persiste. Uma despedida a cada esquina. Uma última vez tímida e secreta, pra não maldizerem do que sinto e assim vou vendo e vivendo esses dias nublados. O frio se estende e percorre as noites quentes, de pele molhada e mal estar intenso. Parece que vai explodir, voar pedaços coloridos por ai, lenços e mais lenços por um olhar apagado.
Mas eu não vou dizer mais, não vou dizer. Não vou mais gritar o que sinto. O desejo é inverso. Eles me chamam mas não posso seguir sem meu coração. Onde ele está? Eu corri e me chamaram de menino mau e agora preciso engolir o castigo que não é castigo. Eles dizem que sabem mas não sabem. São apenas tropeços, similar aos soluços e não posso me embriagar de fúteis soluções agora.Não há mais fáceis caminhos. Uma luz que se apaga, a espera que se faz. De um a um os medos que crescem devem ser engolidos por grandes dragões e anjos com asas enormes e lindos sorrisos de paz e de finais felizes. É fácil para quem crê no amor, nas palavras de amor e que não pensa quando sente.

7.6.06

Não sei que título colocar ou a volta pra casa.

Sou um prato que caiu e que partiu em muitas partes. Hoje sou isso. Recolho pedaço por pedaço, junto com todo o cuidado do mundo sob os olhares atentos daqueles que me amam. Alguns rezam, outros pedem. Há aqueles que pensam positivo, que desejam, que choram. No fundo querem o mesmo. Querem que não falte um pedaço perdido ao fim desse ritual silencioso e solitário. Temem. Sofrem uma dor sutil com meus gestos lentos já que nada podem fazer. Só eu e tão somente eu posso juntar os meus.
Passo o dia pensando em coisas para escrever e acabo no oposto. O que sinto é sempre mais forte. O momento pede para ser revelado no meu ritmo. Eu já sei que o mundo é bem mais que o que vejo pela janela. O som pode ser mais que silêncio. Pode ser Cat Power cantando I found a reason, não sei o significado, e ainda sim é linda como sorrisos de anjo e como a graça do anjo que me apresentou.
Os dias estão assim, entre sorrisos e lágrimas, entre o peito aberto e a cara virada. Descontrole emocional e aprendo que lidar com as pessoas é mais difícil do que imaginava. Lidar comigo também é fácil tarefa, sobretudo nessas horas de desespero. Creio que não há justificativas para isso, mas cresce a necessidade de entender esse mistério no meu colo. Esse novo filho, nova vida, novo amigo escondido dentro de mim. Por onde queres me levar? O abraço e parece estar tudo bem. Me encho de vida e a vida se encarrega de seguir, mas será assim tão fácil?
Tudo tão nítido e tudo tão escondido. Vivo agora me revirando em opostos próximos. Antes eram rimas mal rimadas, agora são os opostos próximos que fascinam. Coisa doida e ao mesmo tempo cheia de sentidos. As palavras são geralmente as mesmas. Culpa do limitado parque de diversões e ainda assim consigo nessa brincadeira subjetiva falar o novo sem perder o gosto da repetição exagerada. Mas são doces palavras e ainda que repetidas são boas companheiras, com elas realmente sou menos só. Só como deveria.
Queria que fosse uma desilusão amorosa ou uma vaga de emprego que se perdeu como a meses atrás. É mais do que isso e assim a mudança agora é inevitável. Naqueles dias de esquisitos prazeres e falsas mudanças, fui sincero e escrevi:

“Mãe e pai...

Poucas vezes agradeci a vocês por tudo o que fizeram por mim. Escrevi cartas para quase todos e não escrevi para vocês. E se escrever é a forma que encontrei de dizer com mais sinceridade das coisas que sinto, é então o momento de escrever para vocês.
É um dos momentos mais importantes da minha vida e assim da vida de vocês também. Hoje ou amanhã posso receber a noticia que mudará os rumos dos meus dias. Devo a vocês esse momento. Resultado dos anos de estudo, das broncas, dos erros e dos acertos de vocês.
Agora passa aquele filminho. O pai me pegando no colo e dizendo: “amanhã você vai pra escola!” e de você, mãe, dizendo nos momentos mais difíceis, ainda que de boba dificuldade, que tudo sempre acaba bem mergulhado no seu abraço com cheirinho de confort.
Espero ter honrado todo esse esforço. Sei das decepções que causei nos meus tropeços todos. Não ser o filho que vocês esperavam, de não encher a casa de pequeninos que os chamariam de vovô e vovó. Perdoem a minha ignorância quase que constante, falta de paciência, cara feia e conta de telefone alta.
O tempo passou e eu cresci. Tenho saudades do tempo em que era criança e ficava vendo o pai desenhar. Que máximo! Meu pai fazendo desenhos só pra mim! Adorável. E lembro da mãe rindo alto, daquela risada só dela, das noites de verão ao som de Simple Red. Vou levar esses pequenos detalhes para sempre comigo. E já sinto, com dolorosa antecedência, o dia que vocês forem embora. Vou ficar meio só, mas do que sinto nesses dias. Sei que não entendem dessa minha insistência doida de viver em par e encontrar alguém, mas é porque sei que vocês se vão e não quero ficar só. Quem é que vai me abraçar e dizer que ninguém merece minhas lágrimas quando você não estiver aqui, hein pai?
E mãe, eu não falo muito, tentarei com mais freqüência, mas reconheço tudo o que você faz por mim todos os dias. Desculpa algumas grosserias, fico indignado ao ver o quanto você se maltrata, não acha que já tem muita gente fazendo isso por você e com você?
Pode ser que não seja dessa vez, tentei. E se eu ficar mal não se preocupem, vou ficar bem. Mesmo porque aprendi com você, mãe, que tudo sempre acaba bem. E assim, tudo vai ficar bem.
Obrigado por tudo.
Eu amo vocês!
Beijos”

Entreguei a carta. Provoquei algumas lágrimas. A tal mudança não aconteceu. Hoje eu sei que essa carta é guardada por eles como algo muito valioso.
A mudança veio de outra forma. Inesperada, sem cartas. A sensação porém é boa. Voltar para casa sem nunca ter partido. Comecei a reaproximação com essa carta e hoje estou de volta do lugar do qual nunca deveria ter saído.
Assim que colar o último pedacinho, novos sorrisos, novos prazeres, muitas desculpas. Serão dias lindos e inesquecíveis.

3.6.06

Placas de carros me fazem feliz!

Deveria abolir o carro. Adianta evitar os elevadores e as escadas preguiçosas se depois eu me enfio dentro do carro? É mais prático, mas porque sempre fazer o que é mais prático? O prático é um senhor chato, calculista, frigido e perfeccionista! Não! Esse é meu tio Oswaldo. Se bem que ele é bem prático. Carros poluem, entopem nossas goelas, sujam os pulmões, nos estressam, quebram, provocam acidentes, são caros pra manter, seguro pra pagar, gasolina pra andar, em fim, carro não é nada prático.
Procuro me divertir no trânsito. As crianças do carro da frente sempre me deixam sem graça, sobretudo quando abusam dos gestos obscenos. Mas geralmente são caretas, sinais de positivo, risos descontrolados, ai não tem jeito. Baixa o tio palhaço em mim e estou lá, em plena Marginal, animando a garotada do carro da frente. Talvez eu devesse pensar nisso, recreação infantil! Gosto de crianças e elas podem gostar de mim. Será?
Poderia estar sofrendo agora. Chorando ao volante, sendo um bom exemplo de como é triste ser adulto. Que ser adulto é conviver com noticias ruins, ver o lado bom delas, sorrir quando tudo diz não. Ser adulto é viver se acostumando. Acostumar com a infância que passou, com os problemas, os vírus, o trânsito, a poluição, os idosos varrendo as ruas, tenho que me acostumar com tudo isso e ainda sorrir. Então penso que ser adulto é viver em constante estado de consciência. Saber tudo e saber tudo faz tanto mal, tanto mal como a fumaça desse caminhão velho. Por um momento eu ainda queria ser as crianças do carro da frente. Não saber nada mesmo procurando todas as respostas. O meu problema seria o álbum de figurinha incompleto, o Fabinho que parou de falar comigo, o fígado que mamãe quer que eu coma, a lição de casa que não fiz ou o aparelho dos dentes que escondi pra não usar.
Mas sou adulto e devo lamentar menos. Afinal, meia hora preso num elevador, duas horas preso num trânsito é tempo suficiente pra pensar nisso tudo e pensar que ainda posso ser um pouco criança, me acostumar menos, saber menos e me divertir mais.Eu gosto de formar palavras com as letras das placas. Vamos ver. HRZ2672. Os números esquece, já viu número servir pra alguma coisa? Dinheiro que falta, minutos que a pessoa atrasa, mortos nas estradas, tudo é número! Mas letras é comigo! Pego HRZ e formo a palavra HoRiZonte! Com GRS eu formo GiRaSsol! ETR e formo EsTRela, ABT AbacaTe, CRT CaRTA, VIT VITória ou VITrola ou VIsTo. Assim vou brincando como criança. Formando palavras, pensando nelas, passando tempo que por vezes custa passar. Coisas bobas, prazeres fartos. Viver requer exatamente isso, um pouco de tudo e um pouco de nada. Coisas transbordando em aparentes coisas vazias. Viver são pequenos detalhes e grandes reflexões. Quanto será que vale esse meu carro?

2.6.06

"Strani"

Não vou mais dizer aquelas palavras ásperas alucinadas. Metralhadora descontrolada de sinceridades doidas e pouco revisadas. Nesses novos dias, nesse primeiro outono de minha nova vida, as palavras devem ser doces e simples. Se as luzes que entram, são as luzes vivas de meus olhos, se há um novo caminho para novas vidas, não posso perdê-la nas palavras malditas.
Pensei em tanta coisa. Pára-raios, palavras compostas, velhas tartarugas, eleições, amizades, sentimentos exacerbados, Jean-Paul Satre. Pensei em tanta coisa e ao fim não pensei em quase nada. Os dias são assim, intervalos de tudo e de nada. Uma brincadeira de inventar o futuro, sonhar acordado, imaginar lugares, pessoas e situações. Um projeto audacioso de querer, de querer mais aquilo que se desconhece, como muitas das coisas que penso e que não penso a fundo.
As músicas repetem porque me agradam, ajudam nesses dias lentos. Ensaio declarações de amor e vejo o avião passar lá em cima. Posso estar nele se quiser, fugir daqui, ter a certeza que estou ao lado de quem me faz tremendo bem. Não há como sentir medo diante de tamanho querer, de tantos sentimentos bons de todos os lados. Uma boa hora pra me situar nesse louco mundo e chorar feliz com o que conquistei.
Um segundo parto. Uma vida velha, orgulhosa, que fica para trás. O volume dois que se inicia, vida para reaprender a viver. Amores, tornozelos a me arrepiar. A vida se abre misteriosa nessa nova oportunidade de ser quem se é com esse adicional de vida transbordando pelo peito do recém nascido no mesmo outono de antes.
Tudo o que se pode aprender é isso. Verdade latejada, machuca e faz ferida. Que acaricia mais do que agride. Dá mais do que tira. É uma felicidade estranha, ainda sim é uma felicidade.
Fico aqui, vendo Sessão da Tarde, entre um biscoito e outro a espera do grande dia.

1.6.06

Pessoas felizes sobem escadas

Sai feliz do consultório do infectologista. Muitos me chamariam de louco mas é exatamente assim que me sinto: feliz! Querem que eu acredite que era o fim da linha pra mim? Não! Agora é que quero viver. Nesse tempo certo-incerto que foste desde sempre e que agora surge pra mim como um desafio bom de querer pessoas boas e bons momentos.
A doença não pode ser maior que esse desejo. E se todo desejo é um desejo de morte eu vou dar uma de chato e de pirraça vou inverter tudo. Meu desejo é um desejo incontrolável de vida! Vai ser assim, só pra atrapalhar o processo. Pra fazer diferente. Só de pirraça vou teimar. Vou teimar de viver tudo de uma vez. Dormir e no dia seguinte, viver tudo mais uma vez. E quando me cansar, ainda cansado, viver mais e mais e mais e mais.
Portanto, tudo diferente daqui pra frente. Chega de lágrimas e lamentações. Quando eu sair desse elevador o mundo, ah mundo, vai conhecer o novo vivente alucinado que irei me tornar. Em poucos instantes vou ver o sol, as pessoas, as bancas de frutas, os brancos dos olhos, o azul do céu, o verde dos canteiros, tudo vai ser mais, mais que tudo isso, mais que palavras bonitas ou acasos dessa vida.

O elevador pára.

O que? O elevador parou? Logo agora! Alguém me tira daqui! Tenho uma vida pra viver! Ninguém me ouve. Que situação! É só ficar tranqüilo. Respirar uma, duas, três vezes. Logo alguém me tira daqui. Socooooorro! Eu tô preso no elevador! Alguém me ajuda! Como ninguém me ouve? Parece até coisa de filme. Já sei! O botão de emergência! Apertei! Agora é esperar.

10 minutos depois

Vou sentar um pouco. A essa hora eu estaria sorrindo para o Sol, para as pessoas na rua, afagando cachorros pulguentos, mas estou aqui, preso nesse elevador prateado. Eu até gosto de prata, parece aquelas latarias espaciais que dizem que leva o homem pro espaço. Que coisa mais ridícula! O homem na lua. Porque devo acreditar nisso? Não se consegue achar cura para doenças, não se consegue acabar com a fome, com as guerras, nem bloquear celular nos presídios conseguem, mas ir na Lua? Ah, ir na Lua é como ir em Ferraz de Vasconcelos! Um pulinho.
Agora que eu percebi. Elevador é coisa de preguiçoso! Bem, eu pelo menos fui bem preguiçoso, o consultório era no segundo andar. Por dois lances de escada eu estou aqui, preso. Igual a escada rolante. Há coisa mais esquisita do que um monte de gente numa escada rolante? E não contentes, inventaram a esteira rolante. Tem lá no Frei Caneca e vi pela televisão que tem no Congresso também. Tão coisa daquele desenho dos Jetsons.
Nessa nova vida nada de preguicites. Se o compromisso for até o quinto andar, escada. No shopping, escadas convencionais. Ir para o trabalho de bicicleta. Acordar mais cedo e caminhar no parque. Consigo até sentir o gosto dessa nova vida saudável.
Tudo muda e nada muda. Será assim mesmo? Muda o querer. Muda os sentidos, as impressões, o sensível torna regra de vida bem vivida. Parte antes negada, escondida longe da batida forte do coração cansado de mesmices. Dor poética perdida na escavação dos sentimentos escondidos dentro de si. Uma metade separada, deixada ao relento, abandonada como coisa imprestável e que agora retorna bondosa perdoando seu desertor sofrido.
O que não faz meia hora no elevador? O que não faz um pequenino vírus da morte que nos devolve a vida? É como no Vilarejo da música que toca na rádio. Lá é primavera e as portas e janelas ficam sempre abertas com flores enfeitando vestidos. Minha vida agora está aberta. Areja vento bom. Dias de sorrisos na terra de heróis. Tudo colorido, tudo em desordem e em perfeita ordem. O tempo espera. Os caminhos, os destinos, verdadeiros amores debruçados nas nuvens de algodão nos dias claros dessa nova emoção.

O elevador desce. A porta abre e dezenas de pessoas observam o homem que se abraça dentro do elevador. Ele se levanta.

Isso é felicidade. Sabem? Agora deixa eu ir que eu tenho alguns sorrisos pra sorrir. Ah! Pessoas felizes sobem pela escada!

Todos entram no elevador que sobe sem problemas.