1.10.06

Aos Amores Amassados

(...)

Um dia disseram a eles que seus amores os aguardavam no Palácio Amarelo. Então, esse grupo de pessoas, com os corações abertos ao amor, caminharam até o lugar que vossos amores lhe esperavam. O Garoto Comprimido era uma dessas pessoas. Apesar de como o chamavam, Comprimido, por diversas vezes ter sido isso e apenas isso na vida de seus desamores, o garoto jamais desistia de encontrar aquele que não o usaria como uma cápsula doce.
Obcecado por esse desejo de paixão, de dias cúmplices, sorrisos singelos, carinho na mão, ele caminhou por lugares escuros, por lugares claros, por lugares que não eram lugar algum. E apesar da chuva de alfinetes, do vento gelado, das estradas longas, dos buracos todos, ele não desistiu e um dia chegou ao Palácio Amarelo com seus obstinados companheiros de viagem.
Ao entrar nos salões do imponente Palácio, o Garoto Comprimido e os demais notaram que ninguém os esperava. O Palácio Amarelo não passava de salas e salões e corredores frios e vazios, onde não se via e não se sentia qualquer tipo de amor correspondido. Pensaram em voltar, fazer a viagem inversa, mas logo perceberam que não havia volta. A promessa do amor de uma vida os trouxe ali e ali eles deveriam esperá-los.
Olhavam todos os dias para o horizonte, além das fronteiras, para ver se o amor chegava e dia após dia era sim, infinitas esperas dos amores que nunca chegaram. A água acabou, a comida também. Assim como a alegria, os sorrisos e o brilho de seus olhos.
E quando pensaram em abandonar de vez a espera e partir para qualquer lugar que não fosse aquele, as colunas do grande Palácio Amarelo não resistiram a tanta tristeza, e como uma armadilha fatal, o Garoto Comprimido e todos aqueles que atravessaram mares e desertos em busca de seus amores, foram brutalmente soterrados pelas lajes e paredes da amarga morada.
Ouviu-se o som do Palácio ruir por todos os espaços, além da fronteira e logo espalhou-se a noticia sobre um grupo de pessoas que, ao buscar por seus amores, ficaram soterradas em meio aos escombros do que seria um dia o lugar onde a busca terminaria. Todos que ouviam a trágica noticia, sobretudo os que ainda não haviam encontrado o seu amor, temiam que debaixo dos destroços estaria aquele que nasceu para lhe trazer a felicidade do amor tranqüilo.
Porém, a difícil viagem, a dura travessia e a falta de forças para levantar as pedras, fez com que todos desistissem do resgate. Preferiam acreditar, e assim arriscar, que o seu amor lá não estivesse e lamentando o ocorrido, esqueceram os pobres soterrados. Mas havia outro garoto, o Garoto Kamikaze, que também sonhava com o amor tranqüilo. Não querendo passar a vida imaginando que seu amor poderia ou não ter sido soterrado, ele pegou a mochila, colocou seu mundo dentro dela e partiu até as ruínas além de suas fronteiras.
Fazer a viagem não era coisa fácil. Estava cansado de amores findados e mal resolvidos. Não sabia se deveria ainda crer nesse que ele não sabia o nome e o sobrenome ou se devia insistir na procura do tal amor já experimentado, com nome, sobrenome e até endereço, endereço esse fácil, próximo, ao seu lado, mas que havia lhe deixado um sabor amargo. Nas dúvidas todas, o Garoto Kamikaze decidiu seguir o seu coração.
Ao chegar nas ruínas do Palácio ele nada via a não ser um monte de concreto e ferro retorcido. Um amontoado de pedra e poeira esmagando pessoas desesperadas por amor e que agora pediam para viver. Foi quando ele ouviu alguém cantar baixinho e, naquele instante, sentiu o coração disparar. Com uma força que ele não tinha, com uma agilidade nunca vista, o Garoto Kamikaze foi retirando as pedras, uma a uma. E depois de horas ele encontrou o seu amor. Era o Garoto Comprimido que lhe sorria e que reconhecia ali, sem mais lágrimas para chorar, o amor que o havia levado até ali.
- Demorei? – perguntou o Garoto Kamikaze.
- Não. – respondeu sorrindo o Garoto Comprimido – O amor nunca chega tarde, ele sempre chega na hora certa.
E então o Garoto Kamikaze retirou do meio das pedras o seu amor. Com todo o carinho do mundo o levou de volta. O levou para o lugar onde eles construirão a casa deles.

(...)

Ás vezes as pessoas não percebem onde o que elas acreditam as podem levar. Salvam outras, sem notar. Nos devolvem a vida e nem percebem que fazem isso. Nos devolvem a vida em cada gesto de carinho, em beijos singelos e em olhares calmos. Coisas simples, pequenas, mas que podem significar muito para alguém. Mas tem pessoas que não tem a coragem de tirar os seus amores soterrados pelas pedras e assim, as abandonam na crença de que não são os seus amores que sofrem as tragédias que eles evitam crer que não existe. Há milhares de pessoas soterradas aguardando o resgate. Milhares de pedras amassando amores tranqüilos pelo mundo. Eu posso dizer que fui salvo. Eu posso dizer que no momento em que vi a luz e ele estava lá, cansado e sorrindo pra mim, eu tive naquele momento a vida devolvida. E por isso os meus dias serão pra ele.

Nenhum comentário: