25.9.06

A caminho de Plutão

Fiquei ali, do outro lado do vidro, segurando um choro que sairia gritado. Fiquei lá, braços cruzados de frio. Braços cruzados, imobilizados com a cena que acontecia na plataforma 29. A lágrima acumulou naquela bordinha baixa do olho, aquela mesma que em você é vermelhinha de alergia. Eu conseguia enxergar minha própria lágrima ali, se segurando toda pra não partir com você. E quando vi você sentar na poltrona 15 percebi que era a minha hora de voltar pra casa. Ainda pude te ver um último instante, como a última vez de uma última vida. Fiquei perdido na rodoviária uns dez minutos. Nem sei se procurava a saída. Fui caminhando em círculos, em meio às pessoas que iam e que chegavam. Me sentindo perdido, tentando entender daquele momento de minutos atrás, tentando entender o final de semana e as loucuras todas que haviam me levado até ali, ao saguão imenso do Tietê. E quando me dei conta que meu coração batia e que você estava lá, sorrindo pra mim, achei em fim o caminho e deixei o túnel da cidade me engolir e me misturar no mundo que você conheceu.

(...)

Cheguei em casa e o seu cheiro está aqui. Nos travesseiros. No lençol. Nas paredes. Há você aqui em todos os cantos. Nas músicas que levou, no roteiro, em mim. E então não consegui fazer outra coisa a não ser escrever. Dizer que é bom acreditar que vou morar em Plutão com você e que vamos plantar melancias e receber os bons amigos e que vamos dançar e que vamos acreditar cada vez mais. Meu olhar é por você. Os gestos, as idas aos médicos, os roteiros absurdos e os cansativos também. Os dias de trabalho, a natação, a sinceridade que pode doer em outros, tudo por nós. O tempo que nos resta é muito tempo. E a distância que nos separa, muito curta. São 18 milhões de pessoas e eu estou no meio delas e quem consegue me alcançar é você que está do outro lado da fronteira. Acreditei sempre e continuarei assim. Não quero um outro olhar, um outro sorriso, outro sotaque que não seja o seu. Não quero outro sonho que não os que poderei dividir com você. Não quero inventar palavras que não sejam lidas e relidas pela sua atenção silenciosa. Não quero e não vou tropeçar em outro pelas calçadas paulistas. Não vou mais me perder, portanto, sempre terás como me encontrar. Hoje eu li que o Brasil é uma República Federativa repleta de árvores e de pessoas dizendo adeus.

(...)

Mais tarde tenho a consulta. A realidade dói demais em alguns dias. A dor não física mas que sobe margeando a espinha, me cobre de medo, e sobretudo agora que tenho planos e casa pra construir. Mas são coisas que não devo fugir. Medo que tenho que tolerar. O desejo, mais do que antes, é que me seja dado o tempo para que eu possa te ver mais e mais e mais outras muitas vezes. Seja no abraço do Cristo, na garoa da Paulista ou no vazio de Plutão. Então, toda noticia boa hoje é mais que uma boa noticia. Tornou uma milha acumulada pra passagem que me levará até você em Plutão. Posso continuar acreditando? Posso focar em tudo o que lhe disse? Posso deixar de viver de mesmices? Posso crer que nos veremos novamente?

Um comentário:

Anônimo disse...

Você pode acreditar em tudo porque estou com você. G.