Um dia eu acordei e um monstro com muitos braços, cabelo espetado e olhos para todos os lados me acordou e roubou coisas boas que havia em mim. Nesse dia, esse monstro sem nome, sem urros e sem outros barulhos, entrou por uma fresta, beijou-me a testa e deixou em mim aquela coisa que não se vê, que não se pode tocar e que por muito vai ficar comigo. E ele se foi pra nunca mais voltar. Viver faltando um pedaço requer cuidados especiais. Requer janelas largas, cortininhas coloridas, músicas especiais, geléias de morango e lambida de cachorro. É preciso beber água filtrada, palavras cruzadas, saquinho de risadas, filmes com pipoca, som de chuva e biscoito ou bolacha recheada. Viver faltando um pedaço é viver sem pensar no pedaço que falta e se pensar não se desesperar achando que ele está na lixeira da próxima esquina. É não ligar para as lamentações alheias, para os que só falam de trabalho ou dos descasos da vida, quando você vê os pedaços que faltam em você ali, completos neles. E quando você acredita que a vida vai ser assim, viver fingindo que não falta pedaço algum, surge alguém de longe, e sem saber (ou sabendo) lhe devolve as coisas boas que o monstro roubou. E devo dizer que ver o pedaço que faltava, abrir a caixinha azul e verde e ver lá dentro a luz antes perdida é o momento em que se pode dar conta de que viver é mais do que viver, seja completo ou faltando pedaço. Viver é ter a sensação de estar completo, apesar de todos os buraquinhos e nós. É se reconhecer no outro. É saber que pode sonhar porque a busca acabou e novas histórias serão escritas em lugares onde o monstro e seus braços não conseguem chegar.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário