29.1.07

Ao Pano de Chão

Poderia dar milhares de explicações. Dissertar futilidades. Futricar segredos alheios. Dissecar sentimentos mortos. Abastecer de junções numéricas. De sílabas em sílabas codificando a ansiedade que corrói, a falta de otimismo que transborda no copo acumulado e transbordado pelo jeito da Lua. Como dedo apontado pro lado do quadrado. Na barriga nada salientada, nos ossinhos finos aparentes de Pano de Chão. E com esse cheiro de chuva, uma molhada rua deve servir de descanso para o pequeno risonho, ainda que sem motivos para sorrisos. E à luz da lua, água da chuva, cheiro de coisa crua, nesse momento quase sagrado, penso mais em Pano de Chão do que nas coisas que movimentam o meu coração. Deve ser fuga desastrada embalada em músicas suaves, trilhas de filmes felizes, de momentos redondinhos, saborosos. Deve ser dessa velha mania de imaginar. Dessa velha mania que não some, que não me deixa, que não se ausenta e que inventa de ficar. No latido fino, no grito contido, nesse abandono de quem já não se diz abandonado. Pano de Chão sabe do que estou falando. Ele sente o barulho da chuva e sei que vê o clarão lá longe onde nunca poderemos tocar. Sabe que sofrimento é coisa que se esquece e que se lembra depois e que se esquece pra nunca mais lembrar e pra nunca mais ter que esquecer. Pano de Chão é forte e sabe disso. Franzino querido, sozinho na rua solidão, é ele quem sabe, o único talvez, a essência de sua existência já morta. Quando se perde tudo, ou a noção de tudo, pode-se achar um monumento em sua homenagem. Ainda que desconhecido, ou melhor, ignorado, Pano de Chão faz do seu dia a dia, de cada acordar, uma homenagem a si mesmo. E assim vai lá, de lá pra cá, a procura de um pedaço de chão mais seco, assim não se cansa, no já cansado corpinho, de absorver toda essa falta de atitude que temos por ele e porque não, com nós mesmos.

20.1.07

Quando fui chuva

Sonhei com você na frente de casa juntando água da chuva. Sonhei com você e eu era a chuva. Em potinhos coloridos você juntava a água que caia. Pois como chuva caída eu escorria e me perdia por todos os lados. Era chuva densa no céu, na terra eu era apenas um aguaceiro danado. Algo que podia estar em todos os lugares e ao mesmo tempo em lugar algum. Mas você e sua alegria, quase como uma brincadeira de criança, dessas mágicas que fazemos sem nem saber da seriedade do ato, me acumulou na forma de água que caía e então, de gota em gota, de parte em parte que se encontrava, você pode fazer com que eu fosse eu. As pessoas não devem saber a força da generosidade. Num mundo tão carente de tudo, tornou-se assistência social, boa vontade, quase como uma obrigação de sermos bons para mostrarmos o quanto podemos ser bons. A generosidade é mais que isso. A generosidade do meu amor é mais que isso. Quando alguém lhe vê caído, lhe estende a mão e ainda o deixa caminhar ao seu lado, isso é generosidade. O amor que hoje conheço tem dessas coisas: mão estendida, olhar atencioso, sorriso sincero, coragem e por que não, fé. A gente passa a vida fazendo o bem, vivendo amores que são apenas reflexos de boa vontade quando na verdade o que queremos, pelo menos era o que eu sempre quis, ter o que tenho hoje. A possibilidade, não. A realidade de um amor generoso que ama e que só por amar já se pode chamar de amor. Sem tempo. Sem lugar. E isso basta.

17.1.07

Cópias das chaves do apartamento azul

Sei que não podes estampar nosso amor em suas camisetas. Sei que não consegue gritar o sentimento que esperou uma vida para sentir. Sei que tem que ser assim, calado. E eu te quero. Sei de todo o silêncio. Das sutis demonstrações. Sei desse aparente vazio. Vazio de palavras, de sons e de toques. Sei da falta de tuas cores nos meus dias. Dos dias seguidos de mais dias sem você. Te sigo assim. E eu te quero. Sigo procurando a sombra de ti. Nos pedaços seus, espalhados aqui. Eu vivo assim. E eu te quero. Na falta de tudo e na certeza de que pensa em mim. Que me quer, que me ama e que não me esquece nunca. Volta pra mim. Eu te quero.

16.1.07

Frágil parte de mim

Sabe quando se acorda desejando que quase tudo à sua volta fosse diferente? É o que tenho sentido nesses dias. Não sei o que Deus está tentando me provar me fazendo lidar com a frágil parte de mim. Sei que é preciso esse contato e esse vácuo para a tal evolução que dizem que precisamos. Mas confesso que estou um pouco cansado. Devo ser mais imperfeito que a média das pessoas para necessitar de tantas provações seguidas. Ou Deus está de brincadeira comigo ou está falando muito sério, e todas as duas alternativas são assustadoras. A coisa já tá até amarelada de tanto que falo. Virou coisa repetida, voz em disco arranhado, conversa pra boi dormir, conversa que nem cobra-cega, não sabe onde começa e onde termina. Essa é a lamentação da minha relação. Já falei dela, já chorei por ela, já repeti essa história tantas vezes que estou me calando. Tô acomodando tudo numa caixa grande de ferro e fechando a escotilha. Logo vou lançar ao mar, sinto isso. Vou ficar lá, chorando pateticamente a coisa toda afundando e levando consigo tudo o que imaginei pra mim, toda a razão e justificativas que precisava para concluir sorrindo quem eu era. Mas essa pode ser apenas uma visão romântica de tudo. É do homem agregar fantasias aos fatos. Meu encontro pode ter sido apenas um acaso, vasculhei tantos perfis, resolvi deixar um recado, ele respondeu e aconteceu. Sem poesia. Sem essa de destino, desse “te sentia mas não te conhecia”. Apenas um encontro. Apenas isso. Sei que não é o momento pra você ler uma coisa dessa. Mas até mesmo por estar vivendo o que vive hoje é que pode, numa busca desesperada, me dizer que estou errado. Agora eu o conheço mas não o tenho, não o sinto. O amor tem que ser constantemente cuidado, dia a dia, pequenas coisas, gestos, que vai fazendo que aquela atração louca negada a tantos, negada por tantos, continue viva. É preciso ouvir a voz, ler longas cartas, troca de fotos, de carinhos, promessas. Não tenho isso. Isso está sendo negado pra mim. Sei que não é por que ele não quer e talvez com essa dor eu pudesse conviver, afinal já senti dessas febres. Eu apenas amo uma pessoa que me ama e só. Mais nada existe. Existe o que temos quando estamos juntos, em três curtos dias de meses em meses, e só. Isso já não é mais uma relação, e assim, pouco a pouco, ela vai se perdendo. Tento fazer o caminho contrario. Juro que estou lutando com todas as minhas forças para não trancar a escotilha, mas não sei até onde posso agüentar. O tempo está passando e tenho apenas o vazio inesperado na minha frente. Me antecipo a esse vazio monstro ou espero ele me acariciar... ou engolir?

13.1.07

O embrulho embrulhado em saco de supermercado

Combinaram na rua escura da Cinemateca. Aconchegou o embrulho em sacola plástica de mercado junto à parede de tijolos. Voltou para o carro. Estava minutos adiantado. Pensou em partir, mas se isso fizesse não teria certeza de ver a encomenda em certo destino. Não podia dizer que se escondia já que não se espreitava pela fresta de alguma janela. Estava assegurado atrás de vidros demasiadamente escuros de seu carro comprado à vista no ano anterior, dessa vez sem a ajuda do pai. Um carro seu, finalmente seu, mas que ali, parado na rua escura da Cinemateca, era apenas mais um estacionado como tantos outros. O relógio digital marcava a hora acertada. A idade avançou sem que aprendera a contar o tempo com a ajuda de ponteiros. Havia realmente se tornado um homem prático e igualmente solitário. As pontas dos dedos, gélidas, batucavam algo qualquer no volante. Um gosto de medo misturava com o gosto da ansiedade e descia garganta abaixo, deixando no corpo, no interno de seu corpo, o rastro de todos aqueles anos desde o dia que renunciou ao seu reinado. O príncipe de seus dias, monarca soberano de suas vontades, vivia até a triste decisão, em seu suntuoso reinado tranqüilo de amor e de apenas amor. Mas ele renunciara. E por isso deve-se entender que não se tratava de tão tranqüilo sentimento. E assim rompeu aquilo que não se deve romper, a promessa de amor eterno. É justo dizer que não rompera por completo prometidas palavras, ainda o amava apesar de abandoná-lo. Ainda tinha em si o amor que precocemente deixou, pensando assim, sabido que se intitulava, estar promovendo a salvação do outro. Excluindo essa hipótese, sobra-lhe a covardia de seu ato frio. Hoje, invisível condutor protegido pelos escuros vidros de seu automóvel semi-novo, sabia com extrema consciência da covardia de seu ato. Covarde porque o fez por medo. Covarde porque lhe faltava motivos para desprezar os sentimentos sinceros de Miguel e sobravam razões para controlar a insegurança que o perseguia desde que haviam se conhecido na festa de Loló. Foi calculista e irresponsável. Inventou uma mentira, disparou um “não te amo mais”, com confiança ensaiada dias no espelho. Sentia a vergonha de seu reflexo, do sofrimento que provocou a Miguel, condenando a quem o salvou. Estava sendo também, e porque não, injusto. O pobre Miguel havia de compreender, como em outras difíceis crises de Caio. Não pensou nesse tempo. Agiu de forma clássica e patética. Chegou a se perguntar se Miguel não desconfiara de tamanha mentira. E se teria, ao deduzir dias depois, semanas depois, anos depois, o procurado em catálogos telefônicos ou em buscadores eletrônicos. Desejava mesmo saber. Assim com frio que lhe assaltava a espinha sempre que pensava nos outros beijos que não os seus. Teria ele encontrado outro amor? Um novo amor que não se escondesse em mentiras desgraçadas para romper um sentir verdadeiro com a justificativa besta de proteção quando na verdade queria proteger-te a si mesmo? De certo Miguel não desconfiava que Caio o fazia estar ali àquela hora da noite. Caio era o seu passado e naquele passado Caio não sabia atravessar duas ruas em São Paulo que não fosse a Paulista e a Augusta. Ao deixá-lo, partira de volta para sua cidade. Miguel jamais imaginaria que seu carrasco, amado carrasco, escondera-se ali, ao seu lado, no seu lugar. E pode ser que nunca saiba. Afundou-se, inutilmente, quando algo aproximou-se do embrulho. Afundou-se no banco como se pudesse esconder no já escuro esconderijo. Mas logo estava tomado pela irritação. Um vira-lata qualquer, desses que dizem os mais inteligentes, investigou o então abandonado pacote em plástico vagabundo de supermercado, e sem receios, pois animais raramente os tem, e isso Caio e o cão tinham em comum, ele pensou, marcou o seu território com urina tão amarela que de sua trincheira o observador podia se contorcer todo em desespero. Foi-se então o cachorro fungando todos os cantos sumindo na escuridão da rua acima. E ali estava o pacote mijado, sozinho, à espera de seu verdadeiro dono depois de todos aqueles anos. Não era esse o plano meticulosamente planejado por meses e que a ninguém contou, até porque ninguém havia em sua vida para tal. Miguel estava atrasado sete minutos, é o que dizia o número digital de seu preguiçoso relógio. Podia não vir. Podia chegar a qualquer momento. Ou podia estar igualmente entrincheirado em seu carro. Seu ou de seu novo amor, talvez já não tão novo assim. Protegido por vidros escuros e braços avantajados. Pensou rápido. Saltou apressado, seqüestrou o embrulho e voltou para o carro. Na trincheira, com excessivo nojo e ódio do coitado do cão de rua, trocou o saco plástico. Não havia calculado aquela situação. Era o embaraço em pessoa. Poderia desistir então ou poderia até rir mais tarde de tudo aquilo. Mas sentia apenas vergonha. Vergonha de ser sempre ele, de ser sempre quem é. Um soco no volante resolveria tudo. Não, não resolveu. Precisava de controle, até porque Miguel poderia chegar. E seu medo era justificável. Dizia sua mãe: “o que mais se teme acontece”. E foi ali que percebeu que além de mãe havia saído de dentro de uma profeta pois Miguel estava no exato vazio antes repouso absoluto do embrulho. Embrulhado ficou o seu estômago. Era o mesmo homem que amou e que ainda amava por todos os anos. Estava mais velho mas igualmente belo como no dia em que o apunhalou. Sentiu-se ainda mais imbecil. O jogo não havia saído como planejado. O jogo não podia mais ser jogado. Miguel ainda esperou por alguns minutos. Um carro parou e ele entrou e os escuros vidros, uma moda talvez, não permitiu que Caio visse o maldito condutor. E assim Miguel partiu para além dos olhos do outro pasmado com o embrulho empacotado em limpos plásticos de supermercado no colo. Perdera a chance, se chance houvesse. Mas perdera sobretudo a oportunidade de redenção e de reviver sentimentos antigos. Perdeu e a perda chamava-se Miguel. A perda que demorou cinco anos para lhe doer na carne viva. Bastava voltar ao redentor, nem tanto, lar e chorar vendo o mar.

10.1.07

Amor peça de museu ou A Idade de todas as coisas

Posso sentir a idade das coisas. Posso sentir o peso do tempo. Ouvir vozes sobrepostas, de muitas épocas, de inúmeros sotaques, trejeitos, mania no falar. Posso sentir a idade da terra e de todas as coisas que se movem sobre ela. Posso tocar nos mistérios, naqueles segredos engolidos na solidão do universo, dos anos que se passaram sem que nada houvesse. Posso saber o que não sei e tudo o que me fora permitido saber. Como levantar o pano branco que cobre as velhas perguntas. Como todo o movimento calculado para me trazer até aqui nos meios das antigas coisas das quais agora sei a idade e o sofrimento pesado em cada lasca lascada, em cada tinta desbotada, em cada arranhão, marca maldita, pedaço mordido, pedaço arrancado, pedaço faltando. Posso confiar ao meu amor o porquê de todas as coisas existiriam. Posso lhe dar a garantia de ser o motivo de tudo ser, de tudo crer, de tudo estar fora ou não do seu lugar. Tudo foi assim, em anos separados, em lembranças que se engavetavam, outras ornam murais, estampam tristes camisetas de jovem idade. E então, no peso pesado das coisas antigas, no tudo o que sou além do que sou, penso muitas vezes desistir de um amor tão jovem. A noção de tempo passado, de muito tempo passado, se não é que se ter reduzida as passagens de muitas vidas. Como aquele piscar e no outro tudo fora do lugar, mudado, explosão universal de átomos e mais átomos que originaram células, micromundos, microvidas, microcoisas. Micro vírus envenenados de amor, de puro amor, de amor de morte, morte antiga, morte idosa, morte que existe já quando se nasce. Então quando lhe chamo de baby estou apenas lhe dando o prazer de desfrutar da outra ponta da linha do meu tempo. Do ponto de onde não pode sair pois não entenderás do tempo das coisas. Dos anos que se deve passar para não passar desapercebido a um olhar atento. Custa muito ser a si mesmo. Custa muito saber de tudo e agir como nada saber. Custa querer quando sabe-se que não o merece. A morte é amarga por isso. É o apelo avesso, é o grito tardio de vida. O roubo do sopro antigo. É dor da indiferença. Se isolar em datas antigas desperta esse ar melancólico. É a mãe de tetas grandes e ventre inchado da insegurança que se bebe em copos trincados no tempo. E se as coisas antigas de idades muito velhas, se peças envelhecidas, de coisas esquecidas pedem a desistência é por que elas compreendem o peso do tempo. A idade das coisas está nas coisas, na pele descamada sobre pele já maltratada. Está no beijo repetido. No átomo de amor partido. No amor que se parte. No amor jovem que envelhece e que envelhece e que se perde no tempo de todas as coisas.

9.1.07

Quando inventei que queria escrever um livro

Tipo, se eu fosse escrever um livro sobre mim, gostaria de escrever sobre tudo o que não fiz ou que não vivi. Torna a coisa mais abrangente e bem mais interessante pra mim e para quem lê. Tipo, ontem descobri assistindo a um documentário num canal UHF que gosto muito de The Mamas & The Papas. Minha ignorância musical me negava o conhecimento dos responsáveis de canções como “California Dreamin’”, e “Moday Monday”. E não só desvendar todos os mistérios dos pais de músicas que canto exaustivamente sempre que toca no rádio do carro ou nas festas de formatura, chatíssimas por sinal, (não as músicas, as festas), como me apaixonar por Mama Cass (quem não sabe, como eu até ontem, Cass Elliot é a integrante rechonchuda). Como ela cantava! Coloca todas essas pseudocantoras metidas a divas em qualquer saco que você possa imaginar. Que voz! Que presença de palco! Como eu quis muito ser amigo daquela mulher. Receber ela em casa, ouvir suas histórias, ouvir sobre a sua vida, ouvir como o excesso de peso não a incomodava, e ouvir ela cantar “Dream a Little Dream Of Me”.
Aproveite que você nasceu no tempo das facilidades e entra na Internet, num desses muitos buscadores de música e procure por essa. Certamente já ouviu. E certamente vai concordar comigo de que ela é belíssima! “Um sonho, um pequenino sonho de mim”. Lembra aquelas canções dos musicais da sessão da tarde. Na companhia da minha mãe e dos biscoitos maizena com leite. Pronto! Vou começar a falar da minha mãe. Bastaram menos de pouco mais de vinte linhas para falar dela. Não que não goste dela ou de falar sobre ela, mas é que andei percebendo o quanto é recorrente falar dela nas coisas que escrevo.
E na verdade, acho que é por isso que estou escrevendo agora. Não tenho a pretensão de escrever um livro. Escrever um livro é uma responsabilidade que não quero para mim, não nesse momento. Estou escrevendo para, por mais absurdo que pareça o que vai ler, me conhecer melhor. E é exatamente por isso que talvez apenas eu mesmo leia. Um psicólogo talvez, assim economizo pelo menos uma sessão (não sou pão duro, mas é tempo de cuidar das finanças pessoais). Talvez eu deixe os amigos mais próximos, Ri Antunes, Maíra, Bruna, Fê, Marcello cabeça de panetone. Os amigos de sempre para o mesmo de sempre: as lamentações do Cláudio. Talvez eu deixe o meu namorado ler. Talvez não.
Escrever sobre você (e aqui digo que não vou escrever sobre tudo o que não fiz ou vivi, para isso existem todos os outros livros) requer um computador, umas boas músicas, tempo disponível e um motivo. Tenho tudo isso. E tenho até um pouco mais, como diz a música. Então pronto: tenho um primeiro capítulo. Não! Não quero essa obrigação de capítulos. Gosto de organização, mas não quero capítulos. Capítulos me lembram a responsabilidade de escrever um livro e pior, terminar o livro a que se pretende escrever. E se não pretendo escrever um livro (não estou tentando te convencer que não quero escrever um livro quando na verdade quero só para conseguir a sua simpatia e ver onde isso tudo pode parar, realmente não vejo aqui a primeira página de um livro), então não pensarei em capítulos. Leia isso como um grande desabafo em partes.
Nesse exato momento, de uma noite quente do dia 19 de dezembro de 2006 (percebe-se a proximidade do Natal), estou sendo observado por meus dois pequenos cachorros. O Senhor Paco e a Senhorita Lara. Assim mesmo, os chamo de Senhor e de Senhorita. Um casal muito simpático com quem irei cear na “tão esperada” noite natalina. Minha mãe foi visitar meus avós no interior, meu irmão passará na casa da sogra (literalmente) e meu pai vai passar tomando conta da padaria. E assim passarei com Senhor Paco e Senhorita Lara. Até fui convidado para algumas festas (a que queria mesmo ir não fui convidado, mas entendo, ou acho que entendo, os motivos de não receber o esperado convite). Mas pensando bem, olhando para esses dois salsichinhas adoráveis, e sabendo que o Natal é uma data para se passar ao lado de quem amamos e de quem nos ama, então estou fazendo o certo. Amo eles porque eles me amam sem que eu precise pedir. Me amam sendo quem sou. Me amam e não pedem nada em troca (tudo bem, as vezes eles querem uns ossinhos), mas neles vejo a alegria que sentem quando chego em casa. Passar o dia de Natal com eles será um prazer. Não posso esquecer de dizer isso a eles e agradecer.
Dois mil e seis foi um ano com uns 742 dias mais ou menos. O ano incomum. Poderia dizer que foi o ano maravilhoso, mas não foi. Poderia dizer que foi o ano trágico, e também não estarei sendo justo. Acho que foi um pouco de tudo. O melhor e o pior distribuídos em comuns dias de um ano como qualquer outro. E fins de ano geralmente são melancólicos e repletos de saudade de coisas que ainda nem vivi, desse eu espero um pouco mais de..., melhor, não espero nada para não me decepcionar.
Minha intuição me dizia que muitas coisas aconteceriam na minha vida e receio que muitas delas já aconteceram.

8.1.07

Contar um sonho é proibido ou a Arte da impotência

Amado Amigo
Não sei em que condições esse e-mail vai chegar até você. Ou melhor, não sei como você estará ao ler. Uma das sensações mais duras que sinto é quando não posso ajudar um amigo, e é exatamente o que senti quando recebi sua ligação. Sei que existem muitas maneiras de ajudar um amigo, até mesmo num demorado silêncio. Mas quem dizer que se contenta em se silenciar diante da angustia vivida por um amigo, de certo não o ama como amo você. A impotência deve ser um dos males da nossa geração. Estamos espremidos entre nossos pais, bravos guerreiros que partiram do nada, e esses mais novos que já reconhecem tudo. Nascer no meio de tudo não é nascer apenas calçando o tênis da moda, tendo um vídeo game ou TV a cores. Nascer hoje é já vir ao mundo assimilado ou assimilando, como se esses pequenos olhinhos conseguissem ver o dobro, o triplo, inúmeras vezes por segundo mais do que nossos despreparados olhos já formados no cansaço e na limitação conseguem ver. Ainda assim somos uma geração de sorte. Temos quem fez por nós e não temos por quem fazer. Será que é sorte? Talvez para alguns que torram reais em lojas caras, não para nós. Nossa sorte está em dar, em ter, em sempre ter que dar a cara para bater. Sei que falamos sobre isso demoradamente no carro, e sei que você nunca compreende bem como espero que compreendas. Tem uma cantiga portuguesa que diz mais ou menos assim: "Quem contar um sonho que sonhou não conta tudo o que encontrou, contar um sonho é proibido. Eu sonhei um sonho com amor e uma janela e uma flor, uma fonte de água e o meu amigo. E não havia mais nada, só nós, a luz e mais nada. Ali morou o amor. Amor, amor que trago em segredo num sonho que não vou contar e cada dia é mais sentido. Amor, eu tenho amor bem escondido num sonho que não sei contar e guardarei sempre comigo". O que quero dizer com ela? Bom, as vezes é preciso desejar mais, sonhar mais, mas sonhar de sonhos íntimos, daqueles que temos vergonha de contar até para nós mesmos. Claro que não é uma regra, não é o certo, mas no mundo que criei, das coisas que vivi, sempre tive isso comigo: viver muitas das coisas que desejo nos meus sonhos, brincar comigo, com pessoas que invento como pecinhas de jogo de montar. É isso que fiz todos esses anos. Sei que é uma baboseira. Sei que não é muito racional. Muitos riem quando digo que passei todo esse tempo para receber o Guido ou para a pessoa que penso que seja ele. É preciso "treinar" e mais do que isso, querer de verdade. Querer por que todos querem não é querer. Achar que quer nem sempre é sinal de que se sabe o que se quer. E mesmo sabendo o que se deseja, mesmo assim pode não estar pronto para quando ele chegar. A ilusão é necessária. Uma pitada de loucura também. Sonhar, inventar personagens, dar a cara pra bater no mundo real e depois viver os desdobramentos de tal ato lá bem no fundo de lugares tão seus e tão secretos é o que penso, do fundo do meu coração, o que deve ser feito. Não é uma regra, mas foi como o Guido apareceu pra mim. Posso não estar certo, porém duvido também que esteja errado. Pacientes com diferentes moléstias precisam de diferentes remédios, mas será que nossa dor é tão diferente assim? Posso dizer que tive orgulho de você essa semana. Nossa melhor semana juntos, a mais sincera de todas. E você me fez sentir o que poucos fazem: desejo de fazer o que você fez! E por isso disse que você é o meu herói. Herói, como já disse outras vezes, é quem faz o que não temos coragem de fazer. Ou falta de coragem ou falta de tempo ou preguiça ou ignorância mesmo. Mas você fez o que devia ser feito e não há hora melhor do que a hora em que isso acontece. Sei que está vivendo agora a lacuna do outro. Sei que está vivendo da espera, dos passos que não podes dar e ai volto a dizer, o nosso mal é a impotência. Mas será que você é ou está tão impotente assim? Essa história é sua, tão apenas sua e de mais ninguém. Por um brilho do destino ela foi dividida comigo, assim como algumas minhas que dividi anos mais tarde, inclusive com você e outros amigos. Então, no silêncio um tanto não querendo silenciado de um bom amigo, não se conforme mesmo. Chore, questione, se ache um otário, se arrependa, sinta tudo isso agora, pois eu sei que lá na frente, num tempo que não tenho como dizer qual é, tudo isso vai passar e você vai se orgulhar por você mesmo, sem que ninguém tenha que fazer isso por ti. Tenho a certeza que meu amigo, e essa é uma das razões pelas quais o escolhi como meu amado amigo, vai me dizer que fez o certo e que faria novamente e novamente. E que espero ver repetidas outras vezes para poder dizer-te: "bravo!". Não sei o que você acha disso tudo. Contar um sonho é proibido e nisso o meu pai tem razão: "há coisas da gente que ninguém deve saber", e se segui essa regra imagine que há muitas coisas sobre mim que ninguém sabe. Consegue imaginar coisas sobre mim que ainda não te contei? Bom, muitas delas já até esqueci, o caminho para se chegar num verdadeiro amor é longo demais, e prefiro que seja assim. Espero que o seu seja mais breve como acredito que seja. E que seu coração esteja repleto de amor, de cuidados, de histórias, em fim, de tudo o que nos prepara para quando um amor chega. Aproveite o amor quando ele chegar, mas aproveite sobretudo o caminho que o levará, o que você escolher, até ele. Haja o que houver, eu estou aqui.
Com amor,
Clau...

3.1.07

O Ônibus Amarelo

Ainda pude ver o ônibus amarelo da passarela. Acenei um “até logo” sem que pudesse me ver. Certo seria gritar para que pudesse me ouvir. Certo seria ter um abridor de latas gigante e assim rasgar o teto do ônibus para dizer a saudade que já existia naqueles poucos momentos. E assim a presença foi virando lembrança. Lembrança de gosto gostoso de saliva. Lembrança de duas sombras idênticas, que caminham lado a lado, quase como se fugissem do mesmo ventre.
E um a um, os homens e mulheres desse lado garoado, reverenciavam o ônibus amarelo. Há nele a cura para males ditos como incuráveis. Sobre aquelas rodas, para além das coisas cinzas, o sonho já muito sonhado, teve de partir para o seu mundo ensolarado. Como dizer de sonhos, não se pode sonhar se o sonho está ali dividindo o mesmo travesseiro. Não há sonho quando se abraça o sonho, quando se pode olhar dentro dos seus olhos e ver a paz.
E um coração tranqüilo, que ama na mesma mão, bate com saudade, mas bate feliz ao saber que um dia o ônibus amarelo irá voltar. Nesse dia, pobres imundos das coisas cinzas irão reverenciar novamente aqueles momentos e quem sabe, não apenas sonhar.