8.1.07

Contar um sonho é proibido ou a Arte da impotência

Amado Amigo
Não sei em que condições esse e-mail vai chegar até você. Ou melhor, não sei como você estará ao ler. Uma das sensações mais duras que sinto é quando não posso ajudar um amigo, e é exatamente o que senti quando recebi sua ligação. Sei que existem muitas maneiras de ajudar um amigo, até mesmo num demorado silêncio. Mas quem dizer que se contenta em se silenciar diante da angustia vivida por um amigo, de certo não o ama como amo você. A impotência deve ser um dos males da nossa geração. Estamos espremidos entre nossos pais, bravos guerreiros que partiram do nada, e esses mais novos que já reconhecem tudo. Nascer no meio de tudo não é nascer apenas calçando o tênis da moda, tendo um vídeo game ou TV a cores. Nascer hoje é já vir ao mundo assimilado ou assimilando, como se esses pequenos olhinhos conseguissem ver o dobro, o triplo, inúmeras vezes por segundo mais do que nossos despreparados olhos já formados no cansaço e na limitação conseguem ver. Ainda assim somos uma geração de sorte. Temos quem fez por nós e não temos por quem fazer. Será que é sorte? Talvez para alguns que torram reais em lojas caras, não para nós. Nossa sorte está em dar, em ter, em sempre ter que dar a cara para bater. Sei que falamos sobre isso demoradamente no carro, e sei que você nunca compreende bem como espero que compreendas. Tem uma cantiga portuguesa que diz mais ou menos assim: "Quem contar um sonho que sonhou não conta tudo o que encontrou, contar um sonho é proibido. Eu sonhei um sonho com amor e uma janela e uma flor, uma fonte de água e o meu amigo. E não havia mais nada, só nós, a luz e mais nada. Ali morou o amor. Amor, amor que trago em segredo num sonho que não vou contar e cada dia é mais sentido. Amor, eu tenho amor bem escondido num sonho que não sei contar e guardarei sempre comigo". O que quero dizer com ela? Bom, as vezes é preciso desejar mais, sonhar mais, mas sonhar de sonhos íntimos, daqueles que temos vergonha de contar até para nós mesmos. Claro que não é uma regra, não é o certo, mas no mundo que criei, das coisas que vivi, sempre tive isso comigo: viver muitas das coisas que desejo nos meus sonhos, brincar comigo, com pessoas que invento como pecinhas de jogo de montar. É isso que fiz todos esses anos. Sei que é uma baboseira. Sei que não é muito racional. Muitos riem quando digo que passei todo esse tempo para receber o Guido ou para a pessoa que penso que seja ele. É preciso "treinar" e mais do que isso, querer de verdade. Querer por que todos querem não é querer. Achar que quer nem sempre é sinal de que se sabe o que se quer. E mesmo sabendo o que se deseja, mesmo assim pode não estar pronto para quando ele chegar. A ilusão é necessária. Uma pitada de loucura também. Sonhar, inventar personagens, dar a cara pra bater no mundo real e depois viver os desdobramentos de tal ato lá bem no fundo de lugares tão seus e tão secretos é o que penso, do fundo do meu coração, o que deve ser feito. Não é uma regra, mas foi como o Guido apareceu pra mim. Posso não estar certo, porém duvido também que esteja errado. Pacientes com diferentes moléstias precisam de diferentes remédios, mas será que nossa dor é tão diferente assim? Posso dizer que tive orgulho de você essa semana. Nossa melhor semana juntos, a mais sincera de todas. E você me fez sentir o que poucos fazem: desejo de fazer o que você fez! E por isso disse que você é o meu herói. Herói, como já disse outras vezes, é quem faz o que não temos coragem de fazer. Ou falta de coragem ou falta de tempo ou preguiça ou ignorância mesmo. Mas você fez o que devia ser feito e não há hora melhor do que a hora em que isso acontece. Sei que está vivendo agora a lacuna do outro. Sei que está vivendo da espera, dos passos que não podes dar e ai volto a dizer, o nosso mal é a impotência. Mas será que você é ou está tão impotente assim? Essa história é sua, tão apenas sua e de mais ninguém. Por um brilho do destino ela foi dividida comigo, assim como algumas minhas que dividi anos mais tarde, inclusive com você e outros amigos. Então, no silêncio um tanto não querendo silenciado de um bom amigo, não se conforme mesmo. Chore, questione, se ache um otário, se arrependa, sinta tudo isso agora, pois eu sei que lá na frente, num tempo que não tenho como dizer qual é, tudo isso vai passar e você vai se orgulhar por você mesmo, sem que ninguém tenha que fazer isso por ti. Tenho a certeza que meu amigo, e essa é uma das razões pelas quais o escolhi como meu amado amigo, vai me dizer que fez o certo e que faria novamente e novamente. E que espero ver repetidas outras vezes para poder dizer-te: "bravo!". Não sei o que você acha disso tudo. Contar um sonho é proibido e nisso o meu pai tem razão: "há coisas da gente que ninguém deve saber", e se segui essa regra imagine que há muitas coisas sobre mim que ninguém sabe. Consegue imaginar coisas sobre mim que ainda não te contei? Bom, muitas delas já até esqueci, o caminho para se chegar num verdadeiro amor é longo demais, e prefiro que seja assim. Espero que o seu seja mais breve como acredito que seja. E que seu coração esteja repleto de amor, de cuidados, de histórias, em fim, de tudo o que nos prepara para quando um amor chega. Aproveite o amor quando ele chegar, mas aproveite sobretudo o caminho que o levará, o que você escolher, até ele. Haja o que houver, eu estou aqui.
Com amor,
Clau...

Nenhum comentário: