31.7.06

The Carnival is Over - O Retalho n° 5

Retalho N°5 – A falta da pessoa querida.


Christian, Renato e Caio vão até a loja de aluguel de pessoas.

Dona da Loja
Olá rapazes! Faz um tempinho que não os vejo aqui!

Caio
Muito trabalho, muito trabalho.

Dona da Loja
Não é o que tenho ouvido por ai. Parece que as coisas não andam muito bem. Muito garoto na rua, aumento da insegurança, soube de uns três que foram direto pra caixa prego. Deviam trabalhar pra mim, aqui é bem mais seguro e garantido.

Caio
Ninguém nunca encostou a mão em mim.

Dona da Loja
E o olho roxo dele, o que é?

A Dona da Loja aponta para o olho de Renato, que abaixa um pouco a cabeça para que ela não veja o seu olho roxo.

Christian
Ele caiu, foi isso. Pode nos mostrar os catálogos?

Dona da Loja
Claro! Claro! Mas não se esqueçam, se quiserem trabalhar pra mim, a oferta está de pé.

Dona da Loja pega dezenas de pastas com fotos de milhares de pessoas e coloca sobre a mesa.

Dona da Loja
Então? O que vai ser hoje?

Caio
Hummm, eu vou querer uma amiga. Uma amiga bem estilosa, que conheça o mundo, de preferência a Itália. Que tenha bom gosto, que me leve em lugares chiques e interessantes.

Dona da Loja
Bem, veja essa pasta. Há umas amigas do jeito que você quer! E vocês?

Renato
Eu quero um irmão mais velho.

Dona da Loja
Boa escolha rapaz! Um irmão mais velho! Sabia que esse mês é promoção dos irmãos mais velhos. Como quer?

Renato
Quero que ele seja forte para me proteger. Que seja inteligente para me ensinar coisas. Quero um irmão bem carinhoso e que goste muito de mim.

Caio
Não tão carinhoso Dona, se não já sabe como termina essa história: incesto!

Renato
O que é incesto Christian?

Christian
Não se preocupe com isso. Se a nobre Senhora tomar todos os cuidados para que isso não aconteça, você não precisa saber, não é?

Renato
Como você mesmo diz: “nem tudo a gente deve saber”.

Christian
Isso Re, saber demais faz mal.

Dona da Loja
Temos todos esses. Olha que graça esse aqui! E você meu anjo?

Christian
Não sei ainda.

Caio
Escolhe um marido!

Renato
Um irmão mais velho pra te proteger.

Christian
Não. Hoje eu vou querer uma mãe.

Renato
Uma mãe? Mas você já não tem uma?

Caio
É Christian, a graça está em pedir o que não se tem. Dona, quero essa.

Caio aponta para a fotografia de uma jovem.

Dona da Loja
Boa escolha rapaz! E você? Já escolheu?

Renato
Esse!

A Dona da Loja vai até o microfone e chama pelas pessoas.

Dona da Loja
Aline G13 e Lucas Y78, por favor, compareçam na recepção.

Caio
Christian, tem certeza de que vai querer uma mãe?

Christian
Sinto falta da minha mãe.

Renato
Então vai falar com ela.

Christian
Não sei se quero falar com minha mãe o que eu poderia falar com essa mãe alugada.

Dona da Loja
Temos mães ótimas. Não quer ver o catálogo de mães? Faço um desconto.

Caio
Não faça isso! Procure a sua mãe! Fale com ela, certamente ela vai te entender.

Surge Aline e Lucas.

Lucas
Cadê o meu irmãozinho?

Renato
Tô aqui!

Lucas
Vem! Vou te ensinar como se joga basquete.

Renato
Basquete?

Lucas pega Renato e o vira de ponta cabeça, como irmãos mais velhos fazem com os mais novos. Saem da loja.

Aline
Caio meu querido! A quanto tempo! Como você está lindo!

Caio
E você? Nadinha diferente da fotografia!

Aline
Vamos comemorar esse mega reencontro! Que tal umas comprinhas na Oscar Freire?

Caio
Que tudo!

Caio e Aline também saem da loja. Christian tem na sua frente uma pasta enorme escrito “catálogo de mães”.

Dona da Loja
E ai?

Christian
Acho melhor não.

Dona da Loja
É, você é daqueles que não querem mais se enganar.

Christian
Não, não quero.

Dona da Loja
Boa sorte rapaz.

Christian sai da loja, começa a caminhar. Percebe uma de suas pernas se transformar numa perna de crochê. Dela, sai um cachecol enorme que se estende até esquina onde vira. Christian segue o cachecol. Passa pelo Copan, sobe a Consolação, a Avenida Paulista, passa pela 23, Ibirapuera, Sena Madureira. Vai seguindo o cachecol que sai da sua perna. Depois de muito andar, chega na rua onde moram os seus pais. O cachecol entra pelo portão e pela porta de entrada. Pela janela, vê se pai deitado no sofá vendo televisão e sua mão tecendo o cachecol que se estende, passa por debaixo da porta e termina na sua perna.

Christian (V.O)
Mãe!

Alguém que ele não consegue ver o rosto e de quem seus pais não se dão conta, se aproxima com uma tesoura, ameaçando cortar o cachecol. Christian bate na porta, tenta abrir, mas seus pais não ouvem. A misteriosa pessoa então, numa tesourada fatal, corta o cachecol.

Christian (V.O)
Não!

Ouve-se o choro de uma criança recém nascida.

Continua...

30.7.06

This Carnival is Over - O Retalho n° 4

Retalho N°4 – Na sala de exame de sangue, Christian e seus amigos procuram um pouco de paz.


Numa seqüência a se perder de vista, centenas de garotos e garotas são atendidos por outras centenas de enfermeiras que lhe tiram sangue. Christian sentado estende o braço. Do seu lado esquerdo, Renato e do esquerdo, Caio, dois amigos com quem divide as “desaventuras” das noites.

Caio
Eu já tenho um bom dinheiro. Vou pra Itália.

Renato
Vou fazer algo mais útil, dar entrada numa casa pra minha mãe.

Caio
E você Christian?

Christian
Tô pensando seriamente em comprar um planetinha pra mim.

Renato
Um planeta, igual ao do garoto do livro?

Christian
Tá em promoção e é um ótimo lugar para se esconder.

Caio
Um pouco longe, não?

Christian
Por isso mesmo, quanto mais longe melhor. Estou cheio daqui e dessas malditas picadas.

Enfermeira
Já terminamos Sr. Christian, quer o chá agora?

Christian
Sim enfermeira, pode trazer.

Renato
Pra mim um café.

Caio
E um Daiquiri pra mim, please.

Renato
Será que elas tem medo?

Christian
Medo de que?

Renato
Da gente.

Caio
Por Deus Renato!

Renato
É sério, a minha enfermeira tremia mais que o normal e usava bem umas cinco luvas.

Caio
Ela deve ter frio, muito frio. Sobretudo nas mãos. É sua primeira vez?

Renato
É. E você?

Caio
Terceira.

Christian
Antes que vocês me perguntem, é a minha sétima.

As Enfermeiras retornam.

Enfermeira
Os senhores vão querer tomar banho de piscina ou hidro?

Caio
Piscina, estamos precisando de um bronzeado.

Enfermeira
Vamos meninas, vamos buscar as toalhas para os jovens.

Christian
Não vi tanta luva na mão dela.

A Enfermeira retorna.

Enfermeira
Vamos até a piscina?

Chegando na piscina, outros garotos e garotas tomam sol ao redor, os outros nadam na água vermelha como sangue na piscina.

Caio
Vermelha do jeito que gosto. Vamos!

Os três pulam na piscina e como os outros, ficam submersos na posição fetal, chorando, um choro silencioso, quase mudo.


Continua...

29.7.06

This Carnival is Over - O Retalho n° 3

Retalho N°3 – Christian lamenta na maior de todas as luzes amarelas, a Torre da Avenida Paulista.


Anos depois...


Christian recita um texto do alto da imponente Torre da Avenida Paulista. Enquanto recita, surgem imagens de Christian entrando em carros estranhos, em quartos que não são os seus. Christian em festas, bêbado ou drogado. Christian caminhando só, tarde da noite. Christian sorrindo e Christian chorando. Christian contando estrelas, Christian olhando um cliente dormir. Christian recebendo o dinheiro. Christian feliz depois de uma entrevista de emprego numa vídeo locadora na Avenida Paulista e depois Christian triste olhando outros trabalhando pela vitrine. Christian entrando e saindo de carros, Christian entrando e saindo de imundos Hotéis, Christian caído num banheiro úmido.

Christian
Luz amarela. A mesma de sempre. Surto. O mundo de repente se fechando novamente. E tudo parece que muda, de um instante para outro. Em segundos de segundos. Tudo parece se perder, mesmo que perdido ainda não esteja. Ou perdido, não venha mais a estar. Eu não queria dormir agora, agora não. Nem sei se andei acordado, ou dormindo. Estou voltando a não distinguir dia de noite, perdido de achado. Mais confuso e inseguro do que antes. Tudo acumulado, misturado, voltando junto. Dando porrada, golpes. Assoprando aquelas mesmas frases ao pé do ouvido. Uma loucura doida varrida por velhas vassouras fantasmas. Luzes amarelas, avenida amiga, noite que me engula mais uma vez. Certa tristeza no ar. Tristeza pelas coisas que só mudam na aparência, nos hábitos, e que não mudam lá dentro, na essência, lá no fundo. Tantos momentos jogados fora por nada. Tantas palavras mal ditas, tão mais mal ditas agora. Tanto empenho, tanta esperança, pra acabar nisso? Luzes e mais luzes amarelas junto às luzes coloridas, vermelhas, brancas, verdes e azuis e lilás, em todos os tons, brilhos. Aquelas “luzinhas” do Banco de Boston, aquelas bolas mágicas no Conjunto. Lá fora, o calor, dentro do carro, aquela tristeza “nossa” carregada à força. Aquele “lutar” já vencido. Uma sensação azeda de perda, de vazio, de regresso, de voltas e mais voltas. Feito assim, de voltas que dão em outras voltas e que dão no mesmo lugar. Mais velho, um tanto diferente, um tanto mais cansado de falar mais “um tanto”. Um tanto mudado, ele confessa. Um tanto esquecido, ele lamenta. Um tanto amado, ele sorri com a luz amarela a brilhar, fosca, em seu rosto. O carro que parte. A alegria de amigos não tão alegres. Poderia ser mais. Mais viva, mais alegria mesmo. Sorrisos mais alegres, felicidades mais felizes. E aquele velho culpar a cidade, a “noite”, as futilidades. Escolhas e mais escolhas, as piores que se pode decidir nesse regredir deprimente. Muda a música, fecha o vidro, deixa o silêncio imperar que eu quero mais é ficar assim mesmo. Não quero “falsear”, não a mim. Deixa eu cultivar esse momento, por mais que eu venha me culpar depois, isso nem acontece mais, já consigo acordar como se nada tivesse acontecido, e que venha o que vier. Longa noite de luzes amarelas, de bebidas amargas, de olhares perdidos. Longa noite em que a Cinderela não foi ao baile, e que o príncipe se perdeu “nos panos”. Noite minha, só minha. Noite do egoísta, nada de dividir. Nada de dividir beijos e nem pensamento e nem coisa alguma que venha me faltar depois. Aquela vontade de chorar, a de sempre, sendo engolida com água ácida. Pode me ajudar? Claro que não! Ninguém pode, desista. Há coisas nesse mundo sem volta, por mais voltas e voltas e voltas e voltas e voltas que viermos a dar, ou que dermos ou que deixemos de dar. Não há muito o que fazer. Certos momentos a gente tem mais é que aceitar. É fim de ano, não é? Então? Eu tenho que aceitar! Tem como atropelar, ir direto pra janeiro, se for possível, atropelando também fevereiro, ele nunca me traz boas recordações, e assim, ir atropelando meses e dias não muito agradáveis? Como se isso fosse possível. E se possível também fosse, eu mandaria espalhar essa mesma luz amarela por todos os meus caminhos, pra já ir se acostumando. E mandaria também que fosse sempre noite, assim, as luzes brilhariam sempre. Sempre amarelas, amarelas, amarelas, só pra mim e pra essa minha loucura em admirá-las. E ai é só esperar aquele momento de escrever, ou de não saber mais o que escrever, como agora e ir lamentando como sempre. Vestindo a carapuça que sempre caiu bem pra mim, daquela mesma que o Renato fala em uma de suas músicas. A gente não luta, não se pode esperar que outros lutem para nós. Ou por nós? Cansei de me esperar, tô cheio. Não sei o que vai dar, que não dê em nada, em nada, em nada. Em chuva talvez. Chuva é bom. É disso que estou precisando, sair um pouco na chuva, já dizem: “quem sai na chuva é pra se molhar”. É fim de ano. É tortura. É surto. Luz amarela que me acolhe bem, nem tão bem, mas o bem que sei que queres pra mim. Bem que aceito, que tolero, que só as vezes quero pra mim. É melhor acordar ou dormir, nunca sei e fingir que nada aconteceu.

Christian abre a blusa, mostra o peito e dele saem milhares de folhas de papel escritas que caem por toda a extensão da Avenida.


Continua...

28.7.06

This Carnival is Over - O Retalho n° 2

Retalho N°2 – A Borboleta Azul, a parte perdida e o conselho de uma amiga.


Sra. Lily dá o copo com água para acompanhar o comprimido.

Sra. Lily
Beba de uma vez meu amor. Não queira sentir o gosto amargo desse doce sonho.

Christian toma o comprimido, e assustado, olha fundo nos olhos de Lily borrados pela maquiagem.

Sra. Lily
Agora vamos esperar. Seja lá o que saia ai de dentro, coloque dentro desse balde.

Sra. Lily coloca o balde na frente de Christian. Depois disso ascende um cigarro e coloca um par de luvas.

Sra. Lily
Pra mim não ofereceram o comprimido. Não sei se foi sorte ou azar. Olhando assim, para os poucos que tiveram esse privilégio e os poucos ainda que aceitaram, não sei se esse comprimido é um sonho bom.

Christian
O que vai acontecer comigo?

Sra. Lily
O pequeno darling, não sofra antes que anoiteça.

Christian
Você sofre?

Sra. Lily engasga com a fumaça do cigarro.

Sra. Lily
Ora garotinho! Isso é pergunta que se faça para uma dama?

Chrsitian
Desculpa, mas é que notei a cicatriz.

Sra. Lily
Maldito decote! Por isso gosto tanto de sharpes, você gosta de sharpe?

Christian
Gosto de cachecol. Minha mãe costurava pra mim quando eu era pequeno. Fazia da cor do uniforme da escola para os dias de frio.

Sra. Lily
Que mãe adorável rapaizinho! Sabia que no frio meu pai colocava uma cumbuquinha com álcool, botava fogo e o calor aquecia todo o banheiro?

Christian
E você nunca se queimou?

Sra. Lily
Nunca. Eu chegava bem perto do fogo, e ficava vendo queimar, aquela chama perto do rosto. Naquele limite quente mais que não te queima, sabe como é?

Christian
Acho que sei, uma vez queimei minha sobrancelha e a franja do cabelo brincando com uma caixinha de fósforos.

Sra. Lily
Ah pequenino! Foi mais longe que eu! Tem que se ter limites.

Christian sente algo e cai no chão.

Christian
Tô sentindo uma pontada no peito.

Sra. Lily
Calma, é assim mesmo. Não esqueça do balde, do balde.

Christian começa a chorar, Sra. Lily apaga o cigarro no seu próprio braço, revelando um braço todo queimado.

Sra. Lily
Meu pequeno amor, olhe pra mim.

Christian mantém a cabeça baixa e chorando.

Sra. Lily
Olhe pra mim!

Christian olha nos olhos borrados de Lily.

Sra. Lily
Vou te falar algo e tente nunca esquecer. Sua mãe, seu pai, sua família não tem culpa de nada. Por eles você não estaria aqui agora, não os culpe nunca, entendeu? E o mais importante, isso pode não ser para sempre, vai depender de você. Pode levar dias como pode levar anos, mas você um dia vai ter consciência e quando isso acontecer voe mesmo sem asas. Eles tentaram nos resgatar, eu, você e todos aqueles meninos e meninas que estavam naquela sala, mas eles falharam e nada podem fazer por nós agora. Mas mantenha a esperança, sempre. Olhe isso.

Sra. Lily mostra o bloco de anotações e o lápis.

Sra. Lily
Isso é seu. Use. Isso ninguém pode lhe tirar. Você vai ser feliz, está nos seus olhos garoto. Eu gostaria muito de ter a luz que você tem, não deixe ela apagar por nada.

Christian repara no broxe na blusa de Sra. Lily, uma borboleta azul.

Sra. Lily
Lindo né? Minha avó que me deu antes de morrer.

Christian
Sinto falta da minha avó.

Sra. Lily
E ela de você meu lindo.

Christian sente uma pontada mais forte. Grita de dor. Se contorce. Vai até o balde e vomita. Repleto de sangue na boca ele senta no chão úmido do banheiro, cansado. Sra. Lily dá uma toalha pra ele.

Sra. Lily
Limpe-se com isso anjo.

Sra. Lily pega o coração que Christian acabou de vomitar e coloca dentro de um saco. Identifica com um adesivo.

Sra. Lily
Ele deveria ir para o lixo, mas eu guardo todos. Nos dias melhores me procure, vou guardar como se fosse meu.

Christian levanta, pega seu bloco de anotações, o lápis e sai.

Sra. Lily
Não esquece de seguir sempre as luzes amarelas.

Christian não olha para trás.

Sra. Lily (V.O)
Se procure meu lindinho. Se procure.


Continua...

27.7.06

The Carnival is Over - O Retalho n° 1

Anos antes...



Retalho N°1 – Quando Christian se perde sob as ordens do Controlador.


Sr. Controlador escolhe um garoto entre os tantos garotos infelizes que aguardam. Cochicha no ouvido de Sra. Lily de Simon. Sra. Lily se aproxima de Christian.

Sra. Lily de Simon
Vamos lá meu pequeno amor, chegou a sua hora.

Sem muito querer, Christian levanta para ir na direção da sala do temido homem. Mas sabe que naquela altura, não há outro caminho e se há, não o conhece.

Sr. Controlador
Entre meu jovem e sente-se.

Christian senta-se delicadamente.

Sr. Controlador
Se há algo que não entendo, é essa delicadeza que permanece viva em vocês mesmo depois de tudo. Por muito menos me tornei esse homem que você está vendo. Hahahahahaha.

Christian não sorri. Sr. Controlador sem graça continua.

Sr. Controlador
Bom, vamos ver o seu caso.

Sr. Controlador coloca seu óculos para ler a ficha de Christian. A lente direita é minúscula e esquerda, enorme.

Sr. Controlador
É, abatido como a maioria de vocês. Tinham que tomar mais cuidado, mas já que não tomou e não foi resgatado por quem devia, parou aqui. Sinto muito, eu nem sempre concordo com isso, mas ordens são ordens. Esse mundo pede por outros para sobreviver, como posso te explicar...

Sr. Controlador parte seu nojento sanduíche repleto de moscas em dois, e depois uma das partes repartidas em mais duas. As usa para explicar como funciona.

Sr. Controlador
É como um sanduíche ser recheado por outro.

Christian
Um submundo dentro do outro. O gueto vivo pulsante dentro o gueto. Excluídos pelos excluídos.

Sr. Controlador
Pra quem não fala nada, até que você se sai bem quando tenta. Também, está aqui! Você tem um dom meu filho! Um dom muito apreciado. Aproveite. Sabe qual é?

Christian sorri pela primeira vez, tira dos bolsos um bloco de anotações e um lápis.

Sr. Controlador
Lamento, mas usar o dom é proibido.

Sr. Controlador apenas estende a mão e o bloco de papel e o lápis voam para si.

Sr. Controlador
Em troca, para não parecer que sou um homem mau, ofereço esse comprimido.

Sr. Controlador coloca um comprimido vermelho sobre a mesa.

Sr. Controlador
Esse comprimido vai lhe ajudar.

Christian
Não preciso.

Sr. Controlador
Filho, pense. Você vai passar por tudo o que tiver que passar com ou sem ele, você pode escolher que isso seja menos doloroso ou não. Não ofereço a todos, é algo muito, muito raro. Veja como o sinal de boa vontade.

Christian reluta por um instante e pega o comprimido. Antes de colocar na boca, o homem o impede.

Sr. Controlador
Calma! Sra. Lily!

Sra. Lily
Sim?

Sr. Controlador
Acompanhe nosso garoto até o banheiro.

Sra. Lily
Claro, vamos amorzinho?

Christian levanta-se.

Sr. Controlador
Antes, deixe-me ver as suas costas.

Christian levanta a camiseta e Sr. Controlador analisa.

Sr. Controlador
Bom, bom, a cicatriz está desaparecendo. Logo não restará nada.
Continua...

26.7.06

The Carnival is Over - Em Doze Retalhos

Essa história é constituída do ínicio e doze cenas. Serão postadas uma a cada dia.

Ínicio – Repouso no Planeta P660.


Christian e Yuri conversam no pequeno asteróide P660. Yuri brinca com as borboletas azuis enquanto Christian tenta escrever algo no seu bloco de anotações ainda em branco.

Yuri
É verdade que o Pequeno Príncipe mora aqui perto?

Christian
Vê aquela estrela amarela ao longe? Conta duas a sua esquerda. Depois tem uma fileira de três em três em forma de arco, aquela só entre a seqüência é B612, o planeta do Pequeno Príncipe.

Yuri
Puxa! Isso me fez lembrar aquela cruz lá no morro do Irajá, lembra?

Christian
A que nunca vi? Lembro sim.

Yuri
A paz aqui é tão grande!

Christian
Pode vir quando quiser, só que aqui não há partidos políticos para nos motivar... bem, você sabe.

Yuri
Não! Claro. Nem se deve discutir num lugar desse. Decidiu escrever?

Christian
Acho que sim, mas ainda não consigo. Há um monte de palavrinhas querendo sair, mas aquela necessidade que tanto falo não veio ainda.

Yuri
Então não se cobre, tenha calma.

Christian
Estou tendo, por isso voltei pra cá. Se eu tinha que ficar quinze dias isolado, que eles fossem cumpridos uma parte aqui no P660.

Yuri
Temo por você. Temo que seja uma fuga.

Christian
Pense o contrário. Que sempre fugi e que hoje parei dessa frenética fuga, e parado aqui nesse pequeno asteróide eu posso deixar o destino me alcançar como for.

Yuri
As vezes tenho a impressão de que você se sentencia.

Christian
Sei que parece mas não estou achando merecedor disso pelos caminhos errados, se é que posso dizer um erro o que aconteceu. Tão pouco quero crer na fatalidade e aceitar a piedade das pessoas, sobretudo a minha.

Yuri
Então você está bem, como gostaria de o ver.

Christian
É porque existem vocês na minha vida.

Yuri
Pena não poder lhe abraçar.

Christian
É realmente muito ruim não poder tocar ninguém, mas esse é um problema que sei que vai se resolver.

Yuri
É amanhã?

Christian
Pelo horário, quase hoje.

Yuri
Está com medo?

Christian
Não, medo não.

Yuri sorri para Christian que retribui o sorriso.

Christian
Olha! Uma estrela cadente! Faça um pedido!

Yuri
Faça também.
Os dois fecham os olhos diante do céu repleto de estrelas cadentes.


Continua...

25.7.06

Cartas de amor V - Dos dias em que tive alguém para amar

Não se assuste. Isso é um e-mail. Sim: mais um! É por esse e por tantos outros que sou chamado de o "tarado do e-mail". É que eu gosto de escrever, ao ponto de fazer disso a minha vida e o meu ganha pão, que escrever é algo que faço compulsivamente, quase como respirar e comer (tudo bem que comer eu como pouco, hehehe).
Então vai se acostumando a receber esses e-mails. E não precisa se sentir obrigado a responder. Geralmente meus e-mails não precisam ou pedem por uma resposta. Passo o dia longe de você. Sem falar com você. Sem sentir você. Tenho que escrever. Escrever coisas, ir me revelando em palavrinhas, letrinha por letrinha.
Hoje foi um dia tedioso. Horas demoradas. Uma chatice sem tamanho. Essa chuva lá fora, a mão congelando, um roteiro sobre saúde pra fazer, a sinopse de dez páginas pra entregar e eu aqui, vendo o tempo passar bem devagar.
Estou sem sono e com um pouco de fome. O cansaço do fim de semana já passou. Estou pronto para outro. Espero que nenhum sub gerente estrague nosso próximo fim de semana, literalmente falando. Estou começando a ficar preocupado com esse lance do SBT, nessa reta final, sei lá, vai criando uma expectativa e não quero me decepcionar. Também tem esse lance de ficar desempregado, e espero que tudo dê certo, pois nunca fiquei mais de uma semana sem trabalhar. Mas não quero me antecipar a esses problemas. A medida que eles forem surgindo e os vou enfrentando com minhas armas de Jorge!
Essa hora você já deve ter fechado a loja. "Cerrado las puertas" e ido direto pra casa descansar, ou não? Hehehehe Andei navegando pelo orkut, deixando scraps, trocando conversa velha e furada no MSN, fingindo tapear o tempo. Uma conversa com os pais, outra com o irmão, brincadeiras com os cachorros e lá se foi o meu dia.
Hoje ele me ligou. Fazia algum tempo que não nos falávamos. Estava triste e chorando. Acho que deve estar sabendo de algo, afinal, fiz um estardalhaço tão grande com a tal felicidade que tá todo mundo deixando recados no meu orkut. Foi difícil. Não quis falar pra ele que estou saindo com alguém por conta do estado dele. Não quero magoar alguém que é importante para mim. Acho que existe maneiras e momentos melhores pra ele saber disso. Fiquei preocupado pois desde que terminamos ele pensa que fiz isso por estar com outra pessoa. E fico com medo ele ache que isso é verdade sabendo da gente. Mas por outro lado já fazem quatro meses, e não posso passar minha vida omitindo fatos importantes que acontecem comigo.
Não queria vê-lo assim. Não queria alguém chorando por mim. Não me iludo com as coisas que ele sempre deveria ter me dito e que diz só agora que estamos longe. Até porque não existem sentimentos dentro de mim para isso. O tempo passa e as coisas mudam. E hoje, mais do que nunca, confirmei que minha história com ele realmente chegou ao fim. Não resta nenhuma duvida em mim a esse respeito. Há coisas muito bem resolvidas em minha vida, e essa é uma delas.
Esse frio insiste. A saudade que sinto de você também. A essa hora já deve ter saído da loja. Deixei mensagens, mas acho que você não vai ligar. Deve estar cansado ou passado em outro lugar. Normal, afinal, quem acorda cedo amanhã sou eu. Está tão chato aqui, como disse estou até meio melancólico.
Mas ai eu penso em você, mais precisamente na gente. Bom, nem preciso dizer que fico feliz e com tesão e com alegria e com disposição e feliz e...! E muitas outras coisas. Fico lendo e relendo os seus e-mails. Fico vendo a sua foto no orkut (meu irmão perguntou se você não é o amigo do Dawson's, ahahahaha), fico escrevendo outros e-mails que não envio pra você, e fico aqui, pensando e pensando em você e quando vamos nos ver de novo.
Hoje talvez eu esteja sentindo um pouco o tal vazio do qual você fala. Talvez eu também não esteja assimilando tão rápido as coisas. Pode ser só o frio, como pode ser falta de você por perto.

(depois que falei com você)

Continuo melancólico. Tô chato hoje, eu sei. Desculpa, não sou sempre assim. É que também tenho meus momentos deprê. O telefonema de hoje não me balançou, apenas me deixou triste por saber que alguém que gosto muito está sofrendo. Te contei pois acho que devo ser sincero. Soube então que você jantou com o fantasma do passado. Isso é ótimo, demonstra maturidade da sua parte, e da minha achar isso. Só é um dia que estou frágil, só isso. Vazio, parecido com você aquele outro dia. As vezes penso que ele pode estar lhe dizendo tudo aquilo que você estava querendo ouvir. E isso pode lhe balançar. Lhe deu Closer, o filme que desperta você em mim. Daquela música que simboliza você em mim. Há medos em mim. Sim, eu também sinto medos. Sei lá, medo de ser uma vírgula, um detalhe. A história não é minha, mas em partes, agora eu faço parte dela. Agora há sentimento envolvido. Não posso negar. Mas acredito que seja apenas o dia "estranho" de hoje, só isso. Não foi um dia bom no trabalho, estou encucado com o lance do curso e ainda chateado com a ligação que recebi. Percebi que estava sendo chato ao fone, percebi você querendo desligar, desculpe. Espero não ter deixado uma má impressão. Te adoro. Te quero. E não vou desistir de você!

Bjos,

Clau...

24.7.06

Cartas de amor IV - Dos dias em que tive alguém para amar

"Se vc está feliz, então estou um pouco triste,querendo estar desesperadamente feliz..."

Essa foi uma das frases mais tristes e mais linda que alguém já me escreveu. A felicidade realmente é algo que se vai muito rápido e quando isso acontece fica aquele vazio, aquele nada misturado com uma angústia sem fim. Ficam pedaços, lembranças e uma porção de coisas que não deve ser mesmo esquecidas. A felicidade como vem, vai. E é ai que mora o medo. O medo do sofrimento e das dores de amor.
Não tenho pensado nas dores e febres do amor. Mas também não tenho ignorado e menosprezado meu momento de felicidade. Devo vivê-lo. Se ele vai passar ou não, se vai ser rápido ou não, pouco importa. Ele está presente e isso me basta para viver intensamente, sem restrições, todas as sensações que me desperta.
Há várias maneiras de conhecer alguém. São as músicas que ouve, os filmes que gosta, o álbum de fotos, um papinho rápido com a mãe do sujeito (hehehe), nos e-mails, scraps dos amigos, e até mesmo nos intermináveis momentos de silêncio.
Porém insisto que tudo isso não basta para conhecer alguém. Conhecer alguém é tocar em seu coração, sem preconceitos, interesses e malicia. É o que tenho feito com você, tocar em seu coração. Para minha surpresa, cada vez que isso acontece, eu me surpreendo com a pessoa maravilhosa que você tem se mostrado. Não estou interpretando o papel do bom moço quando digo que o quero e te ver feliz. Não estou sendo um simples bom moço quando digo que você deve sempre seguir o seu coração.
Pode parecer loucura. Gosto de você, e o que esperamos de alguém que gosta da gente é o seguinte: "fique comigo e tudo ficará bem". Apesar de já gostar muito de você eu prefiro que você siga o seu coração. É claro que assim lhe deixo mais opções, as quais posso não estar no meio, mas prefiro assim. O quero feliz, você merece isso, ao meu lado ou não. Você está roedado de pessoas que gostam de você, não existe motivos para tristeza. Escute o seu coração, ouça o que ele diz e corra em direção a isso, se entregue.
Da mesma forma não se pressione para que as coisas aconteçam. Não force barras, não faça coisas que não quer fazer. Não diga palavras que não devem ser ditas, elas sempre viram palavras "malditas". Não brinque e nem menospreze os seus sentimentos e o sentimento dos outros. Tenha consciência que sempre vai haver alguém na contra mão do amor. Alguém sempre vai se perder na próxima curva, mas que ao fim, tudo ficará bem. Seja honesto e sincero como tem sido, você é lindo assim.
É inevitável não sonhar com você, te querer, passar anos incontáveis ao seu lado. Tudo tem sido tão mais intenso e vivo desde domingo passado. Um conto de fadas moderno, digno de roteiros "bonitinhos", histórias pra tirar lágrimas e risos. Uma história que me toca, que me faz feliz, que me faz acreditar como é bom viver, como vale a pena fazer as coisas que acreditamos e como é importante seguir o nosso coração.
Seja o que acontecer, já que ninguém sabe onde tudo isso vai dar, nós já temos coisas só nossas. Você pode ter passado dois anos com esse, outro tanto tempo com aquele, mas existem coisas só nossas e ninguém, ninguém nesse mundo vai poder me tirar. Nossa cumplicidade, pele na pele, sorrisos marotos, tapinhas, suor, silêncios, risos de sono, e-mails, você saindo do mar, você dormindo no carro, te buscar no trabalho, dividir balas, mensagens no celular, deitar no chão da sala, cair no vão do colchão, conversas sinceras... Em fim, tudo isso é só nosso e olha que se passou apenas uma semana.
Vou tentar não pensar muito no futuro. E pensar menos ainda no passado (meu e seu). Existem pessoas ainda em nossas vidas, sobretudo na sua. Mas fique tranquilo, fique em paz. Eu sempre te respeitei ao me recolher e nunca chegar a você, não seria agora que eu ultrapassaria esse limite. Eu o respeito, o admiro e o quero bem e feliz. Quero ver seu sorriso, e que se não for por mim, que seja então por outra pessoa que goste muito de você. Mesmo por que não é muito difícil gostar de você.
E que a gente viva cada momento como o último. Sem perder a inocência e a nossa sinceridade. Eu já gosto muito de você. Menos do que gostaria e mais do que deveria (hehehe), mas com o tempo a gente coloca isso no devido lugar.
Nunca se esqueça que estarei sempre aqui tocando em estrelas, caminhando em nuvens, pensando em você. Não se esqueça que existe alguém que o quer muito, e se chamarem isso de loucura, lembre-se que você surgiu em minha vida a quase um ano atrás e que faltava apenas o pequeno detalhe de te conhecer. Não se esqueça dos nossos olhares. Não se esqueça desse tempo que fiquei nutrindo tudo isso por você. Não se esqueça que eu te adoro.

Beijos,

Clau...

23.7.06

Cartas de amor III - Dos dias em que tive alguém para amar

Deram para passar o dia comentando a goleada do Brasil sobre o Chile. E ainda sobre o avião que caiu na Indonésia, sobre o Katrina e os desdobramentos da crise política que não parece ter mais fim.
Hoje foi um dia bom. Dia-pós-dia-maravilhoso. Acordei com seu cheiro. Com gostinho de quero mais. Levantei meio anestesiado. Passei o dia tentando entender tudo o que aconteceu ontem. O mundo na segunda e eu ainda perdido no domingo.
Tem uma música do legião que gosto e que diz o seguinte: “...você me veio como um sonho bom e me assustei, não sou perfeito...”. Eu não sou perfeito, me assustei e realmente você é um sonho bom.
Coisas estranhas acontecem durante toda a nossa vida. Um dia a gente conhece o carinha lindo na cozinha. O admira escondido atrás das prateleiras dos filmes. Manda e-mails anônimos. Fuça no seu orkut. Descobre afinidades. O vê de longe a uma da manhã na Paulista. Acha que ele nem sabe da sua existência e passa um dia inteiro com ele, com direito a beijo e tudo.
Me lembrou “Antes do pôr-do-sol”, trocando as ruas de Paris pelas ciclovias do Ibirapuera. Até aquela luz, no entardecer, você lendo o e-mail, eu abraçando árvores, você surpreso, eu envergonhado. Um momento mágico, digno de roteiros e de conversas pela madrugada a fora com os amigos do coração.
Meu mundo é muito simples. Eu penso nas coisas de um jeito simples. E é assim que penso em você. É inevitável não querer te ver novamente e pensar na gente junto, mas porque viver algo antes dele acontecer? Eu já tive você por um dia. E nesse dia você foi apenas meu. Para alguém que acreditava não ser nem notado isso já não é ótimo?
O que quero dizer é que é de mim deixar scraps, mensagens no celular e outras coisas, não quero que você encare isso como manias de um tarado maluco. Gosto de você, é um cara legal e não quero pensar no que vai ser ou deixar de ser.
Mas também não quero adiantar o final. Como faço nos meus roteiros e nunca deixo os casais juntos. Deve ser algo contra a felicidade alheia. Repulsa a namoradas espremendo cravos das costas dos namorados. Inveja remoendo e você sabe o resto.
Quero o melhor. E que o melhor aconteça. E de resto tentar não sair do domingo, descobrir o nome daquele CD, ir mais vezes no Ibirapuera.
Vou ouvir um pouco de Keane. Deitar e ver se amanhã acordo na terça.

Bjo

Clau...

21.7.06

Cartas de amor II - Dos dias em que tive alguém para amar

Eu achei que sabia tudo de mim. Vi que não sabia nada.
Sei que você não me escreve cartas, e sei que jamais a irá escrever. O nosso tempo a gente inventa, e você inventou que ele acabou.
A você digo que vou. Aos outros digo que estou voltando. E não estou voltando por que a reforma acabou, ou por que a viagem terminou, ou por que me quiseram de volta. Estou voltando por que levei um pontapé na bunda e fiquei assim, na contramão do amor.
Podem ser palavras apenas. Pode ser que você nem leia isso, e que se ler, pode achar que é mais um de meus descontroles. Pode ser que isso te faça chorar. Pode ser que te faça ter a certeza de que sua decisão foi a correta.
Se a vida fosse fácil como empinar uma pipa no céu eu juro que a dor não seria tão viva e real como está sendo. Recolher umas dúzias de roupas, coisas minhas espalhadas pelos cantos, reunidas como se fosse possível me recolher e rejuntar meus pedacinhos. Porém não é tão fácil assim. Nem rir, nem fingir, nem brincar de contar estrelas. Nem cometer falsas loucuras querendo chamar a atenção.
Eu tô voltando. Sem grandes histórias, sem ressentimentos, apenas um punhado de lembranças boas, mas que de tão boas vão ficar guardadas longe do meu olhar e do meu coração.
E por falar em coração, esse se bate, bate descompassado. Bate sem saber onde tudo isso vai dar. Bate com medo de mim, já que não cuidei bem dele.
Na hora de partir lamentarei bem mais que essa hora. E se derramarei lágrimas, saiba que elas me inundarão por dentro.
Um último conselho, sempre ache que fez o certo, mesmo que tenha sido o errado.
Viva bem. Viva uma vida boa.
Tô voltando. Tem um mundo me esperando, e espero que de braços abertos. Não vai ser fácil, mas já tenho o Horacio. Bom começo.

20.7.06

Cartas de amor I - Dos dias em que tive alguém para amar

Tô ouvindo a trilha de “As Horas”. Vou começar a escrever o primeiro capítulo da minha minissérie. É o último exercício antes da decisão que pode mudar um “pouquinho” a minha vida. Junto, eu tenho que entregar uma redação que fale sobre mim. Algo estranho. Estou tão acostumado a escrever sobre os outros, para os outros e hoje vou ter que escrever sobre mim.
Eu sempre me vejo refletido nos outros. E de umas semanas pra cá, eu tenho me visto em você. Na verdade, tenho me visto com você. Tenho imaginado uma porção de coisas que sei que não deveriam ser imaginadas. Não tenho muito controle sobre as minhas vontades, sobre os meus sonhos e sobre o meu desejo de lutar, como você disse, pelas coisas que quero.
Tenho um olhar muito simples para as coisas. E temo, com isso, simplificar o mundo. Digo e fico repetindo que te adoro porque é o que sinto. O medo que mora dentro de mim é, de tanto falar, que essa frase perca o sentido quando ouvida por você. Assim como tenho medo de que meus e-mails se transformem numa mesmice chata. Que percam o brilho. Que percam o tom que sempre quero dar a eles.
E fico assim me dividindo entre um Cláudio que quer ligar e outro que acha que não deve ligar. Entre um Cláudio que acha que deve mandar e-mails e outro que acha que deve parar com isso. Um Cláudio que quer chamá-lo pra andar no Ibirapuera e outro que acha que é melhor ficar na sua.
O primeiro Cláudio sempre prevalece. O Cláudio que age com o coração sempre vence. Tudo o que conquistei sejam amigos, trabalhos, momentos, foi sempre sendo o primeiro Cláudio. Não consigo imaginar decisões que não sejam tomadas por ele. Mesmo assim o segundo Cláudio, teimoso e altamente racional, por vezes consegue impor as suas razões e a maneira calculada e chata de encarar a vida.
Eu sei tudo o que está acontecendo. Ter a consciência do que se passa no nosso coração e no de quem se gosta é um misto de dor e felicidade. Você me perguntou se sou feliz, sim, eu sou feliz. Estou com você, haveria motivos pra dizer que estou infeliz? Eu sonhei várias vezes com você quando eu acreditava que nem me notava. Eu imaginei, me coloquei pertinho de você, inventei situações, flertei com uma pessoa que me desconhecia. E hoje, bem, hoje eu durmo na sua cama, te faço carinhos, ouço que você está bem e que também não está bem as vezes.
Leio seus textos, ouço suas histórias, fico babando quando você me fala das trilhas sonoras, dos filmes que pateticamente não assisti. Fico feliz quando o vejo feliz com a máquina fotográfica. Me confundo no seu silêncio. Me perco no seu abraço. E assim, de pouco e de muito, eu vou vivendo. Lutando pra ficar com você.
Tem momentos em que tudo me diz que ficaremos juntos. Em outros, tudo me diz que não viveremos as coisas que imagino. E quando penso isso, bate um vazio, uma saudade antecipada de tudo aquilo que não viverei ao seu lado. Mas eu me apaixonei. E agora, há poucas chances de volta.
Isso não quer dizer que você não pode chegar pra mim e dizer: “Cláudio... eu vou comprar cigarros” (hehehehe). Só tome cuidado. É um sentimento muito bom que tenho por você. A gente está tão acostumado a esperar que as pessoas nos façam mal, nos falem coisas desagradáveis, e eu não sou nenhum santo, sei que já fiz pessoas sofrerem, mas no seu caso não. Tudo o que mais quero é te ver bem e feliz, comigo ou “sem migo”, hehehehe, mas eu quero ver você feliz.
Eu não sou mais especial do que qualquer outra pessoa que você possa conhecer. Não sou diferente, não sou melhor. Sou o Cláudio e isso já é um bom começo. Você me faz melhor. Você me faz sentir especial e diferente. E se um dia isso acabar, eu vou ter você sempre aqui, no lugar que sempre reservei, desde aquele dia na cozinha, pra você.
Como eu sempre digo, eu estou aqui.

Beijos

Clau...

19.7.06

O texto vermelho ou quando eu preciso dizer que me amo.

Aprendi a amar ainda muito cedo. Não venha me dizer que é assim com todo mundo. Sei das coisas, sei das coisas de amor. Sei dos caminhos loucos que o amor nos leva. Das voltas todas que se dá por ele, com ele, sem ele, pra ele. Amor e somente amor eterno em todas as condições.
Me busquei longe demais, me perdi e me encontrei. Voltei como os bons soldados que retornam de suas batalhas e mesmo que eu não seja o herói de ninguém, posso dizer que sou o meu herói. Herói é quem nos salva, nos liberta e inspira. E se trouxe vida nova ao meu peito, devo ser o herói de mim.
Não quero medalhas, bustos e nem ruas com meu nome. Não quero casa, carro importado ou aposentadoria gorda. Não quero fúteis prazeres, charutos, cheque em branco ou viagens memoráveis. Não preciso de dinheiro, de ternos bem alinhados, relógios caros ou privilégios.
Igualmente recuso a dó, a piedade, a solidariedade barata e o assistencialismo patético. Recuso os amigos falsos, as lágrimas pedantes, as desculpas inventadas e o perdão fingido. Recuso o interesse cruel por minha dor. Recuso o olhar curioso, o toque receoso, o excesso de zelo, o papo contido a distancia calculada.
Sou o meu herói. Dono de meu tempo e de meus dias. Filho de um padeiro que sonhava em ser palhaço e de uma dona de casa que faz de tudo um pouco e muito bem. Sou abençoado pelos casais de namorados, pelos amores todos, pelos velhinhos doces da minha infância, pela tia boa, pelo olhar calmo.
Quando eu disse que retornaria eu não estava inventando histórias pra preencher o nosso álbum de lembranças amarelas. Eu disse que voltaria pra estar aqui, sorrindo pra você e gritando a minha felicidade mesmo que as portas tenham se fechado. Não importa. Conviver com a dor é a ordem do dia, coisa que se acostuma, que se pode conviver. Assim como o medo, as perdas, os temores. Palavras ruins, pesadas e ainda assim encaradas sempre de forma leve e bem humorada.
A vida inverteu e quando eu me encontrei estava assim, sorrindo com os cotovelos ralados de tanto me procurar rastejando pelo chão que um dia pisou. E se não tem culpa, tão pouco eu a tenho. A culpa não existe desse lado de cá. Aqui há o conformismo dos heróis e o desespero dos que não aceitam as suas batalhas. Nem todo herói sabe que é herói. E seus dias vão ficando curtos como aquele dedinho engraçado que me apontava quando queria paz.
E hoje a paz que dividimos, na loucura que vivo, na solidão que me persegue em dias inertes, é a conquista de algo que sempre sonhei em dias ruins. Há muito de todos nós nessa dor. Há um descaso de mim por mim, mas há esse amor que conheci ainda minúsculo que me levou desesperadamente a me lançar em seios estranhos e arrancar deles a redenção e a dor.
Não posso voltar, a batalha naqueles campos não me pertencem mais. E se não mereço o céu e os brigadeiros, outras batalhas nobres sei que devo enfrentar. Hoje te esperar já não é mais opção. Não é conformismo furado que se compra em hipermercado, é espera de pessoas boas que devem ser pacientemente aguardadas. Então é assim que fico, sentado feliz num banco qualquer de uma estação qualquer te esperando. Hoje é isso. Um sorriso verdadeiro e um momento que não termina.
E a foto do meu herói maior, estampada sem a vergonha que ele tanto gritou é um apelo de como somos cretinos e de como são cretinos com nossos heróis. Como partidos ridículos estão sempre em xeque, nos ferindo e nos estampando em capas de papel sujo. Tem gente que vive do sofrimento alheio, enche a pança dos olhos e chora pela dor “daquele”. Amar demais dá nisso. Vira adoração de circo, coisa exótica, lenda pra contar em noites onde não tiver assunto. É a dor alheia, ainda que seja revista velha. A vida muda, os preços aumentam, a corrupção insiste, os dentes continuam cariados e o homem, pobre homem, é o mesmo imbecil de sempre. Então acho que isso, expor a dor pulsante, assumir quem se é, no exemplo do meu poeta que se foi. A gente nasce amando e esquece de amar pela vida.
Uns nunca esquecem. Meu herói morreu amando. Vou amar também.

14.7.06

A fé e a abroba

Cortei cortando abroba” – disse lamentando o curativo. A frase foi mágica, tamanha ingenuidade. E não pelo erro de pronuncia ou pouca criatividade na construção, mas pela sinceridade. Poderia ter inventado histórias para o seu curativo e provocar em mim piedade e empatia. Mas não, foi sincera. E não se importou, e não se envergonhou de falar “abroba”.
Pediu ainda que lesse os seus exames e fiz pacientemente o que tempos atrás acreditaria ser um absurdo. Aliás, mudei muito. E hoje, ainda impaciente, sei compreender ou pelo menos aceitar as pessoas e suas diferenças.
Desde as mais simples até as mais complexas. Até porque tenho convivido absurdamente com pessoas complexas. Complexas demais. Chegam a ser chatas e pedantes tamanha é a complexidade com que encaram o mundo. São sempre as que se acham as espertas, e saem radicalizando as calçadas e oprimindo os felizes.
Sempre maltratei a fé. Uma pessoa com fé não passava de uma pobre alma que tinha que acreditar em algo que não pode ver e não pode tocar como muleta. E sempre me achei mais preparado para viver do que elas. Jamais dividiria com elas a ignorância de tal crença.
Mas hoje, porque duvidar da fé das pessoas? Eu acredito que um dia vou conhecer alguém que goste de mim como sou e que vou retribuir tal pessoa com o mesmo sentimento, isso não é fé? Acredito mas não tenho a certeza desse querer e isso é fé. Não gostaria que alguém tentasse me provar que vou passar a vida sem ninguém, que acreditar nisso é perda total do meu tempo.
Portanto, cada um com a sua fé seja ela qual for. O espírito contestador que dominou a minha adolescência e boa parte da minha vida nos últimos anos, está delicadamente me deixando. Isso não quer dizer que estou apenas aceitando o mundo como ele é, tornando um alienado despreocupado com as coisas preocupantes. Acho que estou longe de me tornar um “acomodador” de vidas. Estou apenas tentando me conhecer melhor e permitir que as pessoas se conheçam melhor por elas mesmas.Então viva a doce mulher e sua “abroba”.

12.7.06

Uma picada de felicidade

Quando girei a garrafa da verdade na sala de velhos móveis, de plantas de metrópoles espalhadas pelas paredes como se seus moradores observassem os rumos daqueles dizeres duros e necessários, eu pude em fim suspirar e sorrir pro meu anjo no alivio permitido na tarde tão sonhada.
Na fração de segundo após o giro, naquele lento voltar ao passado e ver a vida como um flash de cores e cenas expostas sobre cenas e outras cenas inacabadas, me percebi como barquinho que ora vai e outra também. Não me importei com mais nada, era só girar e girar com aquela garrafa, esperar e agarrar forte. E como barquinho, em sua irregular forma, irregular rota, navegando por ondas tortas e bravios oceanos, não baixaria a ancora na gota que grita seus últimos instantes no fundo da garrafa. Era apenas girar, girar, e girar, girar girando e sorrir.
Em fim, respondida as perguntas que fizeram. Dói mais pra picar do que pra arrancar. Não rasguei papel em mínimos picotes, não dessa vez. Passou correndo e só pude acenar como adeus sabendo que esses dias não mais voltariam. A fúria acomodou-se tranqüila, bem quieta e comportada debaixo da cama. Melhor assim, pelo menos até que a chuva molhe novamente os sapatos vermelhos. Há reencontros pois então, e assim, como não sorrir? Canto “Crazy” bem alto, fetiche louco que se mistura nos meus contornos. É assim, coisa doida, sem nexo, sem sexo, no marasmo da onda que vai e que vem. É sol, é lua, é porto esperando, se escondendo de mim por ser bom demais para me receber nessa hora.
Deixa de lado que quero comemorar. As garrafas da verdade giraram como hélices frenéticas levantando vento e poeira não varrida pelas mesmas velhas vassouras de sempre. A claridade não perturba, vai me convencendo, me ganhando, me tendo de novo no meio de suas coxas macias e suadas. Escorrego pro lado de lá e já posso dormir mais tranqüilo. Tão perto e próximo ao principio abismo. Só vou voltar pra matar a saudade, pra lembrar como era bom. Me puxa pra dentro, bem devagarzinho, sem choros e esperneio. Fico de conchinha, cochilando bem mansinho com todos os diminutivos bonitinhos que juntei pela vida.
Me chame pelo apelido, me chame de vagabundo e atenderei com o mesmo sorriso. As garrafas giraram e a verdade é limpa como as nossas caras. Então sorria e comemore os felizes dias de nossas futuras risadas. Compre a passagem, amanheça o dia, não esqueça o transado óculos e suba a bordo de viagens inesquecíveis de dias sem fim.
Se já parti, se já me lancei, se fiz tudo por amor, bem brega como me permito agora, então não voltarei. Posso no máximo olhar para trás, sorrir tímido e acenar adeus. Ora vai, outra também.

10.7.06

O dia que pediram que aguardasse mais um dia ou a falta que faz um antivírus

Os meus heróis também morreram de overdose e eu também sempre precisei de um pouco de atenção. A vida é engraçada assim, nossos heróis morrem em tempos onde não sabíamos de todo o seu heroísmo e hoje me pego chorando por heróis que partiram antes mesmo que me desse conta de que precisaria um dia de heróis para continuar.
Nesse loucura toda, nessa fúria que me toma ainda que de forma sutil, eu não sei mais o que pensar, o que dizer, o que fazer e o sentir vai ficando assim, meio plástico, embalado em aconchegantes plásticos bolha. A folhinha vai passando, os dias vão caindo e a espera de novas boas noticias continua.
Eu tenho o direito de ter o meu dia de fúria e mandar a serenidade para o espaço. Se o momento de paz que tenho vivido nesse último mês é sincero, então a minha fúria e ódio também são. Mandar tudo pra puta que o pariu, desse jeito, mandar tomar no cu e o “iscambal”. Cadê a poesia? Socada numa bunda qualquer que senta apoiando os risos falsos, as felicidades amarelas, coisas limitadas e tristes vidas longas mal vividas.
Enfio o dedo na cara sim, faço deboche, sou mimado e quero confete. Quer mais? Sinto inveja, sinto dor, me reviro pelo avesso pra aparecer bem, ou melhor do que estou, pra fazer com que os que gostam de mim se sintam bem e tranqüilos. Mando à merda mesmo, já que vivo desculpando, já que vivo aceitando que as coisas podem ser melhor, porque não posso cometer erros também? Por que não posso palavriar e escrever palavras não tão belas como girassol, borboletas azuis ou pôr do sol?
Eu não me entendo as vezes e em outras até demais. Não sei compreender as coisas. Não sei se estou me afastando dos meus amigos ou eles de mim. Não entendo essa vontade de ficar socado dentro de casa, no olhar atendo dos meus heróis que não morrem nunca se também mora em mim esse desejo de um anjo chegar em casa e me tirar desse marasmo. Carência? Ache o que quiser, anota ai: além de tudo CARENTE! Sou mesmo. Gosto das pessoas na minha volta, gosto das pessoas gostando de mim assim como gosto de gostar das pessoas e de girar em torno delas como um satélite feliz. Não há problema algum em “confeitiar” quem gosto. Os que não gosto ou gosto pouco, fodam-se!
É um conflito diário e isso que estou fazendo agora está mais com cara de faxina do que sentimento sentido. Mas ainda que retardado eu quero entender porque tem que ser assim. Eu não estou bem e as únicas pessoas que percebem isso são meu anjo-mãe e meu fofo-pai. Não preciso dizer nada, absolutamente nada. Eles sabem. Eles me amam. E o que mais me dói é que percorri o mundo, e ainda insisto em o percorrer, atrás de amigos sinceros que possam fazer por mim sem que eu peça sendo que os que preciso de verdade estão lá na sala assistindo novela e brigando pela falta de dinheiro. E pode ser careta, então anota também pra não esquecer: CARETA! É isso mesmo, não há amigos como nossos pais. Não é uma verdade matemática e por isso lamento pelos que não podem fazer tal constatação. A esses, lança-se a sorte de nesse mar de futilidades, de coisas passageiras, encontrar pessoas que realmente os amem, os aceitem, os precisem, sejam precisados e chamados de amigos. Eu tenho o meu pai e a minha mãe, de quebra mais dois daschunds lindos, queridos, que me mimam e me adoram sem que eu precise dar um telefonema, deixar um recado na caixa postal ou fazer convites. Eles me amam.
Isso não é recado, nem indireta. Então relaxe se acredita que isso é pra você. Seja lá quem for, és pretensioso demais. Estou escrevendo essas palavras exacerbadamente sinceras pra mim mesmo, sem direito a réplica. Então não esquenta a “piriquita” e continua lendo sem medo. Já sofri muito por outras pessoas e agora estou sofrendo por mim.
É, estou sofrendo. Não sei o que significa isso no dicionário, mas eu sei que sofrer é sentir falta, é ter medo, é viver com a dor física e a dor do que não se pode tocar. Minha mãe ensinou que é feio assumir coisas assim, há coisas que devemos manter em segredo, agüentar firme e sorrir pra sair bem na foto. Mas não tenho nada mais a esconder. Só assim saberei quem é meu amigo, quem me ama, quem me quer. Seleção Natural. Gosto disso. Apesar de seleção soar burguês, e pela vida que vivo eu devo ser um pouco burguês, vou selecionar meus amigos como verduras. Só as “fresquinhas” vão pra casa. Fora os podres e os estragados! Chega! Bando de gente inútil que não acrescenta nada nem a si mesmo. E ainda tenho que conviver com a piedade, porque é o que fazem, lêem um troço desse que estou escrevendo e ainda sentem dó de mim. Se for meu amigo me liga e não diz nada, ou melhor diz o seguinte: “Vai tomar no cu! E se arruma que a gente vai no cinema!”. Ótimo! Mas se vier perguntar como estou me sentindo pode ser, dependendo da pessoa, já que algumas possuem crédito inestimável comigo, pode sair com uma resposta que não gostaria de dar.
Se tenho que conviver com os meus medos que é morrer, sentir dor e ficar sozinho, então vou selecionar mesmo, o que de pior poderia me acontecer? Sei que poderia ser pior, tenho total consciência disso, mas o que já está acontecendo, nessa espera de palavras, de gestos, de exames que nunca ficam prontos no dia exato e pedem que o paciente aguarde paciente mais uns dias pois o seu exame, por inúmeros motivos que não podemos dizer, terá de ser reavaliado e só assim poderemos confirmar a péssima noticia. É isso! Simples assim como dizem os vazios. Então quando alguém mandar você esperar por um exame importante que vai dizer quanto tempo mais você terá pra escrever, pra curtir seus pais, seus cachorros, fazer amor com o namoradinho engomadinho e comer aquela gostosa do trabalho, quanto tempo terá pra não se cansar de cinema, pra dizer adeus e pra perguntar “qual o seu nome?”. Quando te pedirem isso então você manda tomar no cu, ir à merda, pra puta que o pariu, assim como faço, de forma educada, não direcionada, sem dedo na cara. Diga pra você, grite dentro de você e com certeza sentirá bem melhor.
Sempre soube que havia limites para as pessoas e que algumas insistem em ultrapassá-lo. Ai são chamados de malucos, marginais, escoria, chatos, amargos, delinqüentes. Se for me enquadrar, me enquadra como maluco, gosto de alimentar essa hipótese. E se já não há mais nada a esconder é porque passei dos limites da dada normalidade. Eu assumi tantas coisas na minha vida, defeitos, realidades, fatalidades então pra que esconder mais? Não ser desagradável? Pode ser, mas sinto muito se a necessidade de ser sincero é maior e mais forte que ser agradável. O agradável é chato, fraco, limitado, tem o sorriso feio, o cabelo feio e o olhar vazio. O agradável é um falso, porque no mundo em que a gente vive é impossível ser agradável, só pensa em si pois não quer ouvir do outro quem é. E não há melhor maneira de fazer isso do que se viciando em política da boa vizinhança.
Não vou esculhambar mais ninguém. Mesmo quando me pedirem de joelhos: “me esculhambe bonitinho, please”. Não! Chega chegando, meto o pé na tua porta e te mando pra longe de mim. Vou colecionar a opinião que tenho de você, e de você, de você e daquele e vou guardar tudo pra mim. Se vê maldade no que falo, isso não sou e não assumo: MALDOSO, então não sabe ouvir e o que eu vier a dizer vai ser pura palavra furada como remédio de farinha. Placebo total!
Mas a mim, alguns selecionados, bem selecionados, poderão esculhambar. Adoro! Sou um sádico por palavras sinceras, doloridas e que machucam. Nada vai me machucar mais do que essas siglas todas que estou tendo que conviver. Então eu posso jogar uma pedra no meio da noite na tua janela, mandar você descer e chutar bastante a minha bunda. E chutando pra dizer que estou no caminho errado, que a coisa tá preta e que tenho que tomar decência. Apesar da arrogância toda que demonstro nesse texto em forma de monstro eu sei quando estou errado e isso acontece muitas vezes. Eu sou isso. As vezes eu também sou isso.
Faz dois meses. Dias inesquecíveis e lentos. Um dia lá em cima e o outro na angustia da espera. Não é tão fácil como o meu sorriso pode demonstrar. Se gostas mesmo de mim, leia e atente. Não faltarei em dias difíceis, se for um selecionado. E se ainda não consegui dizer é porque tá engasgado no fígado. Na dor do dia-a-dia, no fim, no escuro e nas durezas todas. Não sou melhor e nem pior, por isso meu exagero com as palavras, eu sou mesmo exagerado. Há tempos são os homens que adoecem. E eu não sou mais uma criança. Não sou um herói. Sou apenas um homem.

7.7.06

A primeira cena

Acordou com uma idéia. Não era bem uma idéia, era mais uma cena, triste cena com o personagem que ronda seus sonhos. Repetia a cena dentro de si, como se algo que apertasse, com a frenética busca pela continuidade do que havia inventado sem muita consciência. Terminava no corredor do hospital, a personagem triste amparada por dois amigos. E sem uma seqüência, volta para a lenta abertura do envelope, a revelação e o corredor com os dois amigos.
Isso o angustiou pela manhã, pela tarde e entrou na noite. Tirando-lhe o sono, a paciência da espera pela solução da cena seguinte. Tentou inventar, mas com genial impulso inconsciente havia inventado a primeira, acreditou que da mesma forma deduziria as seguintes.
Acordou ao segundo dia com a mesma cena. A mesma personagem triste, o mesmo envelope, a revelação e os amigos no frio corredor do hospital. Nada mais que isso, sem detalhes, sem sentido. A angustia aumentou. Já era coisa do além, simbologia de sonhos, não se bastaria a um simples roteiro que certamente ele esqueceria em uma gaveta qualquer. Era um desafio, descobrir as próximas cenas.
E acordou por dias, meses e anos com a mesma cena. Até que esqueceu e a cena se perdeu nos primeiros minutos de uma manhã qualquer. Quando se perde a cena, perde-se a história toda. Quando se perde a bela cena que nos envolve, que nos instiga, que nos ameaça, se esquece o futuro e os caminhos que nos levam até lá.
Até que um dia ele abriu um envelope, tomou-se pela revelação e teve ao lado poucos amigos. Presságio? Apenas o inicio das cenas seguintes.

6.7.06

Longe do muro

Quando pulei o muro, na esperança de não muito longe, sentir mãos amigas me buscarem, eu arrisquei algo muito valioso para mim. Quando pulei o muro dos meus sonhos imaginei que logo estaria de volta e que tudo seria como antes. Como o novo que surgiu e que ressurgiu em mim forças devastadas nos tempos daqueles fins. Mas quando pulei eu realmente pulei os muros, e ninguém me buscará. E para lá, tão pouco penso em retornar.Não condenarei suas palavras vividas. Acredite nos que te cercam quando é dia e quando é noite. Anjos me visitavam nas noites de febres inundadas e eles sempre estavam certos, então penso que não há do que se envergonhar. Nossos mundos são apenas muito diferentes, quase opostos. E esse atrito polido desgasta pouco a pouco cada um de nós. Não mais escreverei para ti as cartas que nunca enviei. Não mais direi dos pensamentos que me correm e que as vezes corroem. Já não é tão importante para mim. Vou recolher as armas e também os brinquedos, não sei mostrar apenas um. Não sei conviver com a dor de esconder e de ficar mostrando apenas o belo. Não mostrarei nada. Uma criatura meio apática, neutra, algo sem graça posso me tornar. Ainda assim, serei aquele anjo caído dos mágicos dias que corria como criança reencontrada nos muros únicos de nossas vitórias. Não mais julgarei, não opinarei, não acreditarei em vossas palavras e assim peço que não me envolva, não diga o que não quero ouvir e nem o que desejo ouvir. Qualquer palavra será desperdiçada, pois não o ouço de onde estou. Eu quero viver com você com o que temos hoje. Não mais quero aqueles dias, não quero aquela troca. Hoje compreendo que errei quando fui demasiadamente apaixonado por tudo o que construímos. E se hoje é um tanto destruído, ou mudado, não quero reconstruir. Posso viver nas cinzas e cacos do que sobrou. Ainda vejo muitas coisas belas que fizemos e nelas vou sorrir e dizer que sou feliz. Já que distribuí minhas desculpas, eis que não mais irei escrever essas palavras. Nada mais será endereçado para o seu muro. Não há mais o que temer. Escreva lindas palavras. Já não há sentimentos para poder recriminá-lo e assim, nem para amá-lo. Mas seremos felizes como nos permitimos. Noite qualquer eu corro nos muros que construiu com seus sonhos e teremos longas conversas sobre o nada.

4.7.06

Pela libertação dos peixinhos dourados

Quero alguém que me ajude a libertar todos os peixinhos dourados. Seremos o terror de garotinhas mimadas que por falta de amigos cria peixinhos dourados. E estou pouco me importando, caso isso vire campanha nacional, que todos os donos dessas lojas que vendem peixes me processem. Incriminei os despertadores e nada de mal me aconteceu.
Eu quero alguém que vire o dia comigo em conversas doidas e sem fim. Que fale pelos cotovelos e que me ouça da mesma forma. Alguém com opinião própria, jeito único de falar, arrogância comedida e que não limita a expressão pela fala errada, quase quebrada ou pelo vocabulário apertado.
Eu poderia fazer coisas mágicas e terríveis com alguém do meu lado. Posso insistir que o homem não foi na Lua, ver todo mundo irritado e me achando um boboca, não importa, comam torta. Não tenho problema com a língua solta, abra a boca e fale tudo, seja apenas sincero. Eu seria mais alegre e todo dia seria eu, até mesmo em difíceis entrevistas. Seria eu até quando pedem que não sejamos nós. Já que sou teimoso e que isso não vai mudar e que se mudar ainda serei teimoso a outros olhos, então vou teimar. Sorrir quando dizeres não e dizer não quando sorrires pra mim. Mentira. Vou acabar dizendo sim. Eu sou um teimoso coração mole.
E nesses dias “feliz”, o alguém será uma razão a mais. É, porque já tenho várias razões pra me matar naquela água toda. Tenho todos os motivos do mundo pra me sentir assim, um bobo. Não é correto na maioria das vezes, mas devo ser ainda mais sincero. Vou insistir nisso até o fim. Hei de ganhar o terceiro lugar pelo menos. Bronze já tá valendo.
Hoje é mais fácil aceitar. Bota uma música meio triste meio alegre qualquer, imagina a cena do adeus, bem clichê só pra pisar na jaca de vez e pronto! Está aceita a perda. Assim ganho e vivo mais um dia. E abro espaço, limpo armários em meio peito para os novos que vão chegar. Alguém?

2.7.06

Me and You and Everyone We Know


Inventando e desinventando. Essa coisa de viver um dia após o outro é realmente coisa bem divertida. Antes escrevia com certa antecedência exagerada as cenas que são melhores de serem vividas na surpresa que elas nos guardam. Planejar demais, demasiadamente o passo seguinte pode se tornar uma tarefa chata, penosa e pouco eficiente. A graça de acordar com remela nos olhos e bafo de urubu é essa coisa estranha de ser surpreendido. De se surpreender com pequenos detalhes, frases picotadas, contatos inusitados e outras delicadezas.
Me dedico a isso. Gosto de coisas consertáveis. Mas nem tudo pode ser consertado. Vamos então remendando essa parte naquela outra de lá e está tudo certo. Se descolar, cola de novo e volta a colar se insistir em desprender. Não combina mais comigo não aceitar. Então agora sou a revolta avessa. Sem conformismos, frases compradas ou picuinhas baratas. Aceita e pronto. Não me preocupo o que vão pensar, o que dirão e se seria ainda mais maldito. Foge pra longe esses medos tolos todos. E ainda que me venha com desculpas tardias, irei aceitá-las, está aqui a força cósmica da compreensão. É careta assim mesmo. Sem fundo religioso, essa fantasia ainda não combina com o meu sorriso. Esqueça os detalhes e esquecerei de consertar o que não se conserta. Ontem eu pude ser ainda mais feliz. Ele sorriu e entendeu dos pequenos detalhes. É mais que uma companhia agradável. É um desejo bem desejado. Olhar sincero e coração aberto. Gosto dele por isso. É daqueles poucos, raros que abrem o coração sem medo de futuras invasões. Não fica pingando, inventando, dilacerando o mais belo que temos que são os momentos únicos que passamos com pessoas que nos fazem bem.
Luas atrás seria demais pensar tudo isso. As impressões deixam de ser impressões e passam a ser coisa real. Número pra ligar, cartas pra trocar, estimulo pra escrever. Quantos irão me ler? Eu sei que estão ai, agora sei de vocês. É tempo de fazer amigos, então me façam de amigo e irei retribuir com palavrinhas verdadeiras. E ele compartilhou comigo a emoção de chorar com o peixinho dourado no capô do carro, na inocência das pessoas pequeninas que nos emociona por nos lembrar quem deixamos de ser. Mas ele é como eu, e ele há de preservar essa parte que sonhamos um dia esconder. Ele há de ser um pouco criança e agir como tal. É melhor que seja assim.E tudo termina com a reunião de vampiros, anjos, abiscoitos e estranhos conhecidos. Um certo desconforto, mas ele estava ao meu lado. E depois de tantas teorias vomitadas, em minhas loucuras todas, e depois de falar da solidão e dessa coisa toda de estar só, ele sorriu e vi que não se pode estar sozinho ao seu lado. Eu, você e todos nós.

1.7.06

Infinitus

As más noticias foram em fim despejadas nos passados amores. Difíceis palavras, estranho momento de revelar o que doces dias nos trouxeram. Um a um e eu vou ficando só. O isolamento moral, mais pessoal, particular, inquieta os meus dias e fazem das dúvidas as novas companheiras. As horas custam a passar, é tudo mais longo e demorado. Isso eu deveria comemorar. Tem sido assim, alongar o quanto se pode o que a nós é mais vital. Dia após dia emendando esperanças e crenças.
E nessa mistura de sentimentos, nessa espera silenciosa, nesse aguardar o esquecimento e ver como tudo pode ser igual e melhor, vou mergulhando em cantos antes intocáveis. Vou ficando um desbravador de meu próprio desconhecido. Sentir, ainda que tarde, emoções escondidas e varridas pelas velhas vassouras aos lugares longínquos de mim. Prazeres novos, “caretíssimos” e ainda sim abusados e insanos. Em dias após dias é isso o que me custa, pensar besteiras e pensar no mais belo. Pensar em mil possibilidades e sonhar com aquele que me fará feliz. Os dias são assim, um após o outro, pensamentos distantes, olhares conformados, leituras sensíveis e esperas termináveis.
Tudo pode virar piada. Pode ser história mal contada. Pode ser lembrança de amigos em feriados doentes. Pode ser puro esquecimento ou palavras multiplicadas em páginas e mais páginas. Pode ser tanto e pode ser nada. E se dizer que não espero mais estarei mentindo finalmente. Então espero mais desses dias, espero mais de mim, espero mais dos meus amigos. Espero o melhor de todos nós. Viciado ainda que em meus tidos chatos princípios. Ainda que perdendo batalhas e momentos. Ainda que tudo aparentemente ruim se pinte na tela colorida de nossas vidas, eu ainda irei esperar os capítulos felizes da bela história. Sem finais, sem créditos. Só infinitos amores e infinitos “querer bem”.