2.4.06

Lamentações (das palavras mal ditas)

Luz amarela. A mesma de sempre. Surto. O mundo de repente se fechando novamente. E tudo parece que muda, de um instante para outro. Em segundos de segundos. Tudo parece se perder, mesmo que perdido ainda não esteja. Ou perdido, não venha mais a estar. Eu não queria dormir agora, agora não. Nem sei se andei acordado, ou dormindo. Estou voltando a não distinguir dia de noite, perdido de achado. Mais confuso e inseguro do que antes. Tudo acumulado, misturado, voltando junto. Dando porrada, golpes. Assoprando aquelas mesmas frases ao pé do ouvido. Uma loucura doida varrida por velhas vassouras fantasmas. Luzes amarelas, avenida amiga, noite que me engula mais uma vez. Certa tristeza no ar. Tristeza pelas coisas que só mudam na aparência, nos hábitos, e que não mudam lá dentro, na essência, lá no fundo. Tantos momentos jogados fora por nada. Tantas palavras mal ditas, tão mais mal ditas agora. Tanto empenho, tanta esperança, pra acabar nisso? Luzes e mais luzes amarelas junto às luzes coloridas, vermelhas, brancas, verdes e azuis e lilás, em todos os tons, brilhos. Aquelas “luzinhas” do Banco de Boston, aquelas bolas mágicas no Conjunto. Lá fora, o calor, dentro do carro, aquela tristeza “nossa” carregada à força. Aquele “lutar” já vencido. Uma sensação azeda de perda, de vazio, de regresso, de voltas e mais voltas. Feito assim, de voltas que dão em outras voltas e que dão no mesmo lugar. Mais velho, um tanto diferente, um tanto mais cansado de falar mais “um tanto”. Um tanto mudado, ele confessa. Um tanto esquecido, ele lamenta. Um tanto amado, ele sorri com a luz amarela a brilhar, fosca, em seu rosto. O carro que parte. A alegria de amigos não tão alegres. Poderia ser mais. Mais viva, mais alegria mesmo. Sorrisos mais alegres, felicidades mais felizes. E aquele velho culpar a cidade, a “noite”, as futilidades. Escolhas e mais escolhas, as piores que se pode decidir nesse regredir deprimente. Muda a música, fecha o vidro, deixa o silêncio imperar que eu quero mais é ficar assim mesmo. Não quero “falsear”, não a mim. Deixa eu cultivar esse momento, por mais que eu venha me culpar depois (isso nem acontece mais, já consigo acordar como se nada tivesse acontecido), e que venha o que vier. Longa noite de luzes amarelas, de bebidas amargas, de olhares perdidos. Longa noite em que a Cinderela não foi ao baile, e que o príncipe se perdeu “nos panos”. Noite minha, só minha. Noite do egoísta, nada de dividir. Nada de dividir beijos e nem pensamento e nem coisa alguma que venha me faltar depois. Aquela vontade de chorar – a de sempre – sendo engolida com água ácida. Pode me ajudar? Claro que não! Ninguém pode, desista. Há coisas nesse mundo sem volta, por mais voltas e voltas e voltas e voltas e voltas que viermos a dar, ou que dermos ou que deixemos de dar. Não há muito o que fazer. Certos momentos a gente tem mais é que aceitar. É fim de ano, não é? Então? Eu tenho que aceitar! Tem como atropelar, ir direto pra janeiro – se for possível, atropelando também fevereiro, ele nunca me traz boas recordações – e assim, ir atropelando meses e dias não muito agradáveis? Como se isso fosse possível. E se possível também fosse, eu mandaria espalhar essa mesma luz amarela por todos os meus caminhos, pra já ir se acostumando. E mandaria também que fosse sempre noite, assim, as luzes brilhariam sempre. Sempre amarelas, amarelas, amarelas, só pra mim e pra essa minha loucura em admirá-las. E ai é só esperar aquele momento de escrever – ou de não saber mais o que escrever, como agora – e ir lamentando como sempre. Vestindo a carapuça que sempre caiu bem pra mim, daquela mesma que o Renato fala em uma de suas músicas. A gente não luta, não se pode esperar que outros lutem para nós. Ou por nós? Cansei de me esperar, tô cheio. Não sei o que vai dar, que não dê em nada, em nada, em nada. Em chuva talvez. Chuva é bom. É disso que estou precisando, sair um pouco na chuva, já dizem: “quem sai na chuva é pra se molhar”. É fim de ano. É tortura. É surto. Luz amarela que me acolhe bem, nem tão bem, mas o bem que sei que queres pra mim. Bem que aceito, que tolero, que (só as vezes) quero pra mim. É melhor acordar (ou dormir, nunca sei) e fingir que nada aconteceu ouvindo – “Tristes Dias”.

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